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Religião: o gueto informativo
2002-09-24 20:42:22

Que lugar tem o religioso nos órgãos de comunicação social não confessionais? Quando é que a informação religiosa se torna notícia? Foram estas algumas das questões colocadas pela Agência ECCLESIA a cinco jornalistas: António Marujo, do jornal Público, Licínio Lima, do jornal Diário de Notícias, Mário Robalo, do jornal Expresso, Manuel Villas-Boas, da rádio TSF, e Joaquim Franco, da televisão SIC Notícias.

“Como qualquer outra realidade social, o religioso tem a componente da notícia e só o será na medida em que tiver essa componente”, afirmou Joaquim Franco. “O espaço do religioso – frisou por sua vez Licínio Lima – é igual ao de outras instituições que mexem a fundo na vida das pessoas e é notícia quando os factos chamam a atenção das pessoas”. Para Manuel Villas-Boas, o religioso “não deve ter nenhum lugar especial, nem privilégio; está tanto no mundo como qualquer outro acontecimento”.

Também António Marujo referiu que “o lugar do religioso é o mesmo de outros fenómenos sociais”, ainda que “tendo em conta a importância relativa do fenómeno religioso nas sociedades contemporâneas”. Começa neste ponto o fim de um aparente mar de rosas para o religioso no panorama informativo nacional. Joaquim Franco reconheceu que “existe um clima de exclusão do religioso que é inegável”. Consequência: “provoca desconhecimento que leva à desconfiança e depois, obviamente, ao afastamento”.

Do óptimo para a realidade, o religioso “ainda é tratado na comunicação social como uma vertente exótica”, fruto de “uma profunda desinformação e ignorância nacional acerca do tema”, salientou Manuel Villas-Boas. Também António Marujo se queixou da “falta de sensibilização para a área”, acabando, quem de direito, “por lhe dar menor importância”. O jornalista referiu mesmo a adopção, por alguns meios de comunicação social, de “um gueto religioso”.

“Os órgãos de comunicação social não fazem mais que testemunhar, projectar e analisar o quotidiano”, explicou Joaquim Franco. Ora, “se o quotidiano tem cada vez menos religioso, o religioso tem cada vez menos espaço, quer seja nos media, quer seja nas conversas de café”.
Neste cenário, “o tratamento jornalístico do religioso assemelha-se ao tratamento do estritamente institucional”, referiu Licínio Lima. Porque “o ad-intra das instituições só chama a atenção quando há alguma anomalia”, o jornalista esclareceu que, por isso, “o religioso é tanto mais notícias quanto menos estritamente religioso for”. Uma opinião partilhada por Mário Robalo ao assegurar que, “normalmente, a notícia religiosa em si mesma não é notícia”.

Apesar de “haver um certo tipo de audiência que gosta de estar a par do que se passa até ao nível religioso e catequético”, como reconheceu Joaquim Franco, a verdade é que, na maioria das vezes, “faltam conteúdos «picantes»”, explicou Mário Robalo, faltam “conteúdos que vão ter influência na vida das pessoas”, sublinhou Licínio Lima. Ainda assim, quando o religioso é notícia, “também poderá ter tratamento jornalístico e sem qualquer intuito confessional ou catequético”, frisou Joaquim Franco.

Mas o gueto a que o religioso é submetido nos meios de comunicação social não se fica dever exclusivamente à falta de sensibilidade e conhecimento do tema nas redacções e na sociedade civil. “Levantou-se um muro de desconfiança”, referiu Manuel Villas-Boas. Por parte da comunicação social, “por não saber tratar o tema e não acabar com o preconceito”, por parte da Igreja Católica, “por uma incapacidade de utilizar uma linguagem que penetre os meios de comunicação social” e “pelo preconceito de estes ainda serem, para alguns sectores da Igreja, um papão vestido de vermelho e com garras”.

António Marujo revelou que “é mais fácil gerir «conflitos» no quotidiano com a hierarquia do jornal, quanto à importância a dar a um tema religioso, do que gerir a gravíssima falta de sensibilidade das hierarquias de vários credos religiosos, para tratar com a comunicação social”. O jornalista aponta mesmo o dedo à “atitude de alguma contradição entre a expressão de vontades e a prática”.

Uma contradição que também Mário Robalo verifica no terreno. “A Igreja (Católica) não sabe tratar as notícias da sua vida”, porque, “apesar de o discurso oficial dizer que não, ainda está muito apegada ao discurso de que os meios de comunicação social têm que ter o sentir da Igreja”.

Recordou, a este propósito, já ter ouvido dizer que “os jornalistas – que tratam o religioso – têm que estar imbuídos do sentimento”. Mário Robalo contrapôs, afirmando que “se escrever um artigo sobre o maniqueísmo, não tenho que estar imbuído do espírito maniqueísta”. Concluiu, assim, que o jornalista “não tem que ser religioso. Apenas competente”. Joaquim Franco reforçou também que “não tem nada que ver com o jornalista ser religioso ou mais ou menos sensível para a área. É uma questão de cultura e de espírito aberto”, concluiu.

A falta de sensibilidade detectada, traduz-se, para António Marujo, “na ignorância sobre as exigências de tempo e espaço e linguagem dos meios de comunicação social, na falta de uma pessoa qualificada para falar com a comunicação social e ainda na falta de disponibilidade dos responsáveis para se encontrarem com os jornalistas”.
A este propósito, Mário Robalo revelou possuir os números de telemóveis de ministros. “É para trabalhar!”, exclamou, concluindo que “se isto fosse assim com ministros, não teríamos notícias”.

Exemplos considerados positivos pelos jornalistas podem ser encontrados no seio da própria Igreja. No Vaticano e na diocese de Madrid, por exemplo. António Marujo mencionou “a Sala de Imprensa da Santa Sé, com documentação produzida no momento, com condições de trabalho fantásticas”. Mário Robalo referiu “a informação diária da diocese de Madrid” e o facto de um seu amigo, “jornalista do jornal El País, ter os números de telemóvel de todos os bispos diocesanos”.
Empurrada, no panorama informativo, para o já referido gueto, a religião “é, por isso, tratada como uma entidade berrante e ultrapassada ou então pela escandaleira, como a pedofilia ou quezílias entre padres”, sublinhou Manuel Villas-Boas.

Fonte Ecclesia

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