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A Educação Moral e Religiosa na escola do Estado - Esclarecimentos
2002-09-22 09:33:57

Há circunstâncias em que percebemos melhor a profundidade das intuições dos génios. A propósito da polémica à volta da Educação Moral e Religiosa (EMR), sinto a veemência das palavras de Victor Hugo: "Temos de o dizer e voltar a dizer, não é a necessidade de novidade que atormenta os espíritos; é a necessidade de verdade, e é imensa." É com intuito de caminhar para a verdade que escrevo estas linhas.

Redijo algumas notas, articuladas, sobre o tema, para ajudar a perceber: que não estamos perante um paradigma de escola confessional do Estado (com uma disciplina obrigatória de religião do mesmo); que não aceitamos um paradigma de escola laica do Estado (em que este impõe a todos uma nova religião - o laicismo, igual à neutralidade importada pela 1ª República, orientada para a crítica do fenómeno religioso); que defendemos uma escola pluralista do Estado, em que o mesmo garante aos Pais, primeiros responsáveis da educação, o suporte para que essa educação se faça segundo as suas convicções, mesmo as religiosas, proporcionando, desse modo, uma legítima pluralidade de escolhas.

1 - Carácter curricular da disciplina de EMR
“O decreto-lei agora aprovado passa a considerá-la uma área curricular disciplinar.” - Esta tem sido uma afirmação repetida em vários tons, na Comunicação Social.
Não é verdade esta afirmação. O decreto-lei n.º 323/83, de 5 de Julho, lança os fundamentos da regulamentação da EMR na escola do Estado, na sequência do preceito concordatário. Mas faz isso - e muito bem! - tendo em conta a doutrina da nova Constituição da República e as sugestões facultadas pelo direito comparado, com particular interesse para os princípios emanados da Declaração Universal dos Direitos do Homem e de pactos das Nações Unidas ratificados pelo Estado Português: o Pacto sobre os Direitos Económico-Sociais e Culturais e o Pacto sobre os Direitos Cívicos e Políticos. Conclui, no preâmbulo ao seu articulado, pelo direito e dever de educação dos Filhos por parte dos Pais (Constituição - art.º 36.º, n.º 5), a sua prioridade de escolha do género de educação, a obrigação do Estado em cooperar com os Pais na educação (Constituição - art.º 67.º, alínea c)), criando as condições necessárias para que possam livremente optar, sem agravamento de encargos, pelo modelo educativo que mais convenha à formação integral dos seus filhos .
Para que o Estado responda ao dever constitucional de cooperar com ao Pais na educação dos Filhos, o decreto determina: "A disciplina de Religião e Moral Católicas faz parte do currículo escolar normal das escolas públicas"... (art.º 3.º, n.º 1); "A disciplina de Religião e Moral Católicas (...) está sujeita ao regime aplicável às restantes disciplinas curriculares"... (art.º 3.º, n.º 2).
A Portaria n.º 333/86, de 2 de Julho, que regulamenta a leccionação da disciplina no ensino primário (isto é, no 1.º Ciclo), reafirma o seu carácter curricular: "A disciplina de Religião e Moral Católicas (...) faz parte integrante do currículo do ensino primário, ao mesmo nível das demais disciplinas"... - apartado I, n.º 1.º.
No seu acórdão n.º 413/87, de 20 de Outubro, o Tribunal apreciou todo o decre-to, que fora objecto de alegada inconstitucionalidade quanto a todas as suas normas. Declara apenas a inconstitucionalidade referente ao modo de inscrição, corrigido pela portaria n.º 344-A/88, de 31 de Maio, para a forma de inscrição positiva expressa. Em coerência com esta posição, pelo seu acórdão n.º 174/93, de 17 de Fevereiro, o mesmo Tribunal Constitucional rejeitou as pretendidas inconstitucionalidades da portaria n.º 333/86, revogadas que estavam as suas deficiências.
Portanto, a revisão do decreto-lei n.º 6/2001, de 17 de Janeiro, agora proposta, não volta a um regime confessional, anterior a 1974. Repõe, isso sim, aquilo que os instrumentos legais citados determinam, claramente em vigor até ao dia 16 de Janeiro de 2001. O decreto-lei n.º 6/2001 não revoga as disposições anteriores; apenas lança a confusão, porque continua a apresentar a EMR como área curricular disciplinar (é sintomático que o faça em nota de rodapé!), mas coloca-a, no desenho curricular do quadro anexo I, no fundo da tabela, misturada com as actividades de enriquecimento.

2 - Inclusão na carga horária semanal das 25 horas
“Os meninos que não escolherem a educação moral e religiosa nas escolas públicas, ou ficam no corredor, ou aos cuidados de uma funcionária na escola.” ... Nem parecem afirmações de quem tem obrigação de saber como se gere o regime de mono-docência, como é o do 1.º Ciclo. Mas já veremos!
Se, como determina o decreto-lei 323/83, faz parte do currículo escolar normal e se está sujeita ao regime aplicável às restantes disciplinas curriculares, não se concebe outro enquadramento de leccionação para a EMR senão dentro da carga horária semanal normal – as 25 horas.
A portaria n.º 333/86, anteriormente citada, é clara nas suas prescrições: "No caso de o professor da turma assumir a docência da disciplina de Religião e Moral Católicas, a mesma será ministrada, durante a semana, no tempo lectivo mais adequado sob o ponto de vista de articulação pedagógica da planificação escolar." - apartado I, n.º 2.º. "Quando a docência da disciplina de Religião e Moral Católicas for assegurada por pessoa diferente do professor da turma, a aula será ministrada dentro do horário curricular, com a duração de 50 minutos por semana, em dia e hora a estabelecer, no princípio de cada ano lectivo, entre o director da escola ou encarregado de direcção e a pessoa proposta pela Igreja." - apartado I, n.º 3.º.
Para responder às dificuldades apresentadas, o apartado III da mesma portaria, sobre a organização da escola e das turmas, estabelece que:
- quando é o professor da turma que assume a disciplina, os outros são distribuídos, em grupos, por outras turmas...; no caso de não ser possível, deverão os alunos ser ocupados pelos pais , encarregados de educação ou outros elementos da comunidade (cf. n.ºs 11.º e 12.º);
- cabe ao conselho escolar regulamentar a aplicação destas normas (cf. n.º 12.º), bem como resolver o problema dos espaços, quando for outro docente a leccionar a disciplina (cf. n.º 13.º).
A escola é uma comunidade educativa, que aglutina energias de diversos intervenientes: há contributos diversos, mas a acção educativa é global. A Lei de Bases (lei n.º 46/86) propõe a monodocência coadjuvada. Aliás, as indicações da Reorganização Curricular declaram-na desejável. Para obviar a esta questão, a Comissão Episcopal da Educação Cristã sugeriu às instâncias ministeriais que a Formação Pessoal e Social continuasse a ter uma das suas concretizações em disciplinas alternativas - EMR e disciplinas de formação pessoal social. Por outro lado, quantas vezes um docente do 1.º Ciclo trabalha com dois ou mais anos na mesma turma, em simultâneo?... com grupos de ritmos diversos de aprendizagem?... com áreas diversas em interdisciplinaridade?...
E não é o professor titular da turma o coordenador e o principal responsável por assegurar o carácter integrador e globalizante da concretização do currículo, no quadro do projecto curricular definido para a sua turma?... (cf. Reorganização Curricular - Ensino Básico... - pg.s 62-63 - ME - DEB). Cabe, em definitivo, ao Estado garantir as condições de leccionação desta pluralidade educativa!

3 - A liberdade religiosa
"Se me dessem garantias de que todas as religiões seriam representadas, achava bem." “A decisão vai contra a lei da Liberdade Religiosa e constitui um atentado à democracia”...
Estas declarações públicas revelam ignorância (incompreensível!), intolerância ou má fé? Na verdade, o decreto-lei n.º 329/98, de 2 de Novembro, aliás na sequência do decreto-lei n.º 407/89, de 16 de Novembro, em nome da liberdade religiosa e do princípio da igualdade, estabelece condições de tratamento idêntico para as religiões implantadas no País. "A leccionação da disciplina de Educação Moral e Religiosa das confissões religiosas com implantação em Portugal, introduzida em regime de experiência pedagógica pelo Despacho Normativo n.º 104/89, de 16 de Novembro, passa, a partir da entrada em vigor do presente diploma, a ser feita em regime de permanência e generalização, nas escolas do ensino básico e secundário." - art.º 2.º, n.º 1. E o diploma desenvolve os procedimentos legais para a sua concretização.
O próprio decreto-lei n.º 6/2001, fala sempre de EMR - Educação Moral e Religiosa - para abranger, em igualdade de circunstâncias, a variedade das confissões religiosas. O carácter curricular da disciplina, a sua inclusão na carga horária semanal, nada tem de discriminatório. É preciso é que o Estado garanta as condições para se exercer essa igualdade, seja para a maioria, seja para as minorias. O facto de a Igreja Católica ser maioritária não desvirtua a igualdade, desde que essas condições de possibilidade sejam efectivamente idênticas. Importa ainda lembrar que, se a oferta é obrigatória por parte da escola, desde que haja inscritos, todavia a inscrição é facultativa e tem de ser uma opção positivamente expressa. Não me consta que haja coacções.

4 - Separação do Estado da(s) Igreja(s)
No dizer de alguns, a revisão proposta compromete a separação do Estado da(s) Igreja(s). Puro preconceito. Não se propõe uma escola confessional; mas que o Estado cumpra o imperativo constitucional de ajudar os Pais na educação, proporcionando modelos educativos diversos, segundo as suas opções; e não se imponha com dirigismo educativo, que lhe está vedado pela Constituição. A neutralidade e independência do Estado não se confunde com uma escola em que se impõe uma educação laica.
A verificação da constitucionalidade dos diplomas a que se fez referência, suporte em vigor desta problemática, não deixa margem para dúvidas: se fosse violada a lei da separação, teriam sido declarados inconstitucionais.
Mais: é em nome da liberdade de consciência e de religião, da inviolabilidade de culto e de separação entre o Estado e as diversas comunidades religiosas, que a Constituição da República Portuguesa consagra, que o decreto-lei n.º 407/89, de 16 de Novembro, determina que o normativo para a Educação Moral e Religiosa Católica, desenvolvido no mesmo decreto, seja tornado extensivo às demais confissões religiosas. (cf. Preâmbulo do decreto). Os mesmos princípios evoca, logo no primeiro parágrafo do seu Preâmbulo, o decreto-lei n.º 329/98, para salvaguarda do disposto no art.º 41.º da Constituição da República.

P. Querubim José
Director do SNEC



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