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O "Stress" Estival de Um Sacerdote
2002-08-23 21:15:02

Agosto de 2002. Após anos de namoro, um casal decide marcar o casamento - católico. O casal idealiza a época - algures num fim-de-semana, no pico do Verão do próximo ano - e o templo: a Igreja das Caxinas, em Vila do Conde. Assumida a decisão mais difícil, falta acertar com o pároco todos os pormenores do enlace. "Nem sequer vale a pena virem cá, porque está tudo cheio", desabafa, com mágoa, o padre Domingos Araújo, na entrevista ao PÚBLICO, enquanto folheia a agenda repleta de nomes, nos espaços destinados aos fins-de-semana. Entre casamentos, comunhões, baptizados e a grandiosa procissão do Senhor dos Navegantes (no primeiro domingo de Agosto) não sobram sábados ou domingos livres. Sim, o calendário refere-se a 2003!

Resta aos noivos procurar outro local, escolher um fim-de-semana fora do estio ou adiar a celebração para daqui a dois anos. "A paróquia já de si é grande. Tem cerca de 16 mil pessoas em permanência e no Verão como que engravida", justifica o padre, que teve, inclusive, de impor uma norma para limitar o fluxo casamenteiro: pelo menos um dos nubentes tem de ser membro da populosa comunidade.

Há 25 anos (completa 26 em 12 de Setembro) que o sacerdote orienta a populosa comunidade, onde sobrevive o maior núcleo piscatório do Norte do país. Homens e sobretudo muitas mulheres (a emigração é significativa), que se abrigam constantemente no consolo da fé: nos momentos de aflição pedindo graças, na bonança rogando protecção divina. O padre é assim conselheiro, amigo, juiz, advogado, um esteio do ordenamento social.

Os gestos pausados e o discurso tranquilo podem iludir os mais desatentos, prognosticando-lhe uma vida sossegada. Mas, aos 54 anos de idade, o padre Domingos, natural de Macieira de Rates (Barcelos) não tem descanso, sobretudo no Verão, em que praticamente triplica o número de residentes na área da paróquia. O padre conhece as Caxinas como as palmas da mão e consegue estabelecer um perfil do tipo de banhistas que acorre às praias locais: "São pessoas oriundas de várias terras do interior mais próximo que não procuram somente um sítio para gozar o sol e mar, mas que se identificam com o modo de vida dos caxineiros". Resumindo, são veraneantes, igualmente devotos fervorosos, que acabam por engrossar o habitual rebanho.

A arquitectura da Igreja das Caxinas é pouco comum. Situada em frente ao mar, tem a forma de um barco e, no seu interior, todos os objectos de culto têm um "design" ligado à arte de marear. É um templo airoso e grande, com capacidade para duas mil pessoas sentadas, mil em pé e 600 na cripta, mas, no Verão, torna-se pequeno para tanta gente.

O aumento de fiéis sobrecarrega a vida do sacerdote, que, "infelizmente", não recebe o reforço de mais párocos, nesta época estival. É um problema candente na Igreja e que se reflecte também nas zonas balneares: a falta de padres. Até porque muitos sacerdotes, nas zonas do país menos frequentadas, aproveitam o Verão para tirar os dias de descanso que não poderão gozar noutras alturas. Aos sábados, por exemplo, sai de casa "às 7 da manhã" e regressa "já depois das onze da noite", em trabalho ininterrupto. "Nem tenho tempo para cometer pecados", graceja, para aliviar a estupefacção do jornalista perante o desfiar do rol de actividades em que tem de estar presente. É um autêntico calvário. Comunhões ou baptizados de filhos de emigrantes que só podem ser realizados no período de férias dos pais, sessões de confissão que são solicitadas, casamentos, eucaristias e meros pedidos de conselhos, de tudo se vai ocupando o padre. "Apenas nos funerais consigo acalmar o "stress", na caminhada em silêncio entre a Igreja e o cemitério", confessa.

Vale, porém, a pouco mais de meia centena de leigos que o ajuda a gerir a paróquia. Rigorosamente, são 53 pessoas que formam o conselho paroquial e pastoral e que vão assegurando o quotidiano da Igreja: a preparação da catequese, as actividades caritativas (mais de 70 famílias recebem apoio alimentar), o desempenho dos coros... enfim, uma série de tarefas que retira algum peso das costas do sacerdote. Inclusive as contas da paróquia - os donativos dos fiéis, estipêndios ou pagamento de serviços - estão a cargo de um conselho económico, formado por sete leigos. "Por exemplo, na Igreja existem vários locais para depósito de esmolas, mas não tenho a chave de nenhum dos cofres", salienta o padre. O dinheiro é recolhido e depositado pelos leigos, até por uma "questão da minha sensibilidade", assume. "Sim, é quase uma estrutura empresarial", admite, em resposta a uma provocação.

Mas quando é que o padre tira férias?. "Este ano já não dá...", adianta, apesar de o seu médico particular lhe ter aconselhado uns dias de praia para minorar as dores na coluna. Mas assume ser um "mau doente", o que parece um contra-senso, estando o sacerdote a tão poucos metros de um areal e de um mar carregado de iodo: "Quando fui nomeado para as Caxinas, o arcebispo pediu-me que, por razões particulares, nunca fizesse praia na zona da paróquia e é algo que preservo em sua homenagem", diz.

Fonte Público

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