paroquias.org
 

Notícias






Um que triunfou após ser esquecido
2002-08-07 21:31:15

A 6 de Agosto de 1932, a publicação de um pequeno livro de poesia foi suficiente para enfurecer os meios religiosos da época, por força de uma crueza invulgar, a roçar o anticlericalismo. Em "Padre nosso", Oliveira Guerra denunciava as alegadas hipocrisias da milenar instituição religiosa, que, supostamente, usava a crendice popular para levar por diante os seus intentos.

O anonimato quase absoluto do seu autor e a circulação restrita – marginal, mesmo –, não impediram que a tiragem esgotasse em menos de um mês, feito notável na época. Hoje celebram-se os 70 anos da publicação original da obra.

Na linguagem da gente simples, que era a sua, Oliveira Guerra – autodidacta de gema – ousou colocar em causa princípios considerados indiscutíveis. E bradou contra a desvirtuação da mensagem cristã: "Jesus! Tu eras pobre e brando e triste/e amaste os pobres
e desprotegidos(...)/repara, bom Jesus, nesta opulência de luzes, de cristais, de joalharia(...)/só te falta que te tratem por Excelência/p'ra que pertenças à aristocracia".

Os efeitos não tardaram a aparecer: a perseguição impiedosa, conduzida por insignes figuras do regime, originou um silêncio de 30 décadas. Por pressões sociais e familiares, foi obrigado a virar costas às letras. Só as esporádicas incursões no jornalismo – dirigiu um boletim intitulado "O girassol", no qual ajudou a revelar nomes como Eugénio de Andrade e Pedro Homem de Mello – permitiram-lhe manter ligações ao mundo da literatura.
Na gaveta do poeta ficou "Avé Maria", segunda parte do polémico livro original. Nele, o autor reafirmaria a aversão pelo obscurantismo religioso: "Mas como posso crer no Deus imenso/e justo e sábio e recto/se eu penso que ele nos legou/um mundo pobre e triste e desvairado/um mundo que foi mal edificado/ou que logo a seguir degenerou"?

Nos dois últimos anos de vida – faleceu prematuramente em 1959 – escreveu febrilmente, como se desejasse desse modo recuperar o tempo entretanto perdido. Foi nessa altura que publicou "Algemas", porventura a sua obra maior, na qual deixa bem patente a sua ag
ilidade de escrita. Tal como em "Coisas desta negra", livro publicado em 1963, detecta-se aí uma incontida revolta pelo elevado preço que foi obrigado a pagar na juventude pela sua sinceridade.

A Galiza foi outra das suas paixões. Décadas antes do eixo luso-galego dar sinais de vida, já Oliveira Guerra procurava estreitar os laços culturais entre as duas regiões através da revista "Céltica". Os quatro títulos desta publicação são hoje um objecto procurado por qualquer bibliófilo que se preze, dada a elevada qualidade dos textos aí incluídos.

Fonte JN

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia