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"A Religião Ensina a Viver no Amor, Não em Guerra"
2002-07-31 21:30:35

Swani Saraswatiji é o presidente e líder espiritual da Parmarth Niketan Ashram em Rishikesh, na Índia, uma das mais prestigiadas instituições espirituais indianas. Com apenas oito anos, iniciou a sua formação espiritual num ambiente de austeridade e de meditação, nos Himalaias. Com 17 anos começou a frequentar uma educação académica, em paralelo com a espiritual, obtendo o grau de mestre em Sânscrito e Filosofia.

O seu ensinamento versa temas como a unidade, a harmonia e a infinidade de caminhos que conduzem a Deus.

PÚBLICO - De forma sintética, qual é a mensagem das escrituras Hindu?
SWAMI SARASWATIJI - A mensagem das escrituras resume-se em partilhar, tudo o que se tem. Partilhar e envolver-se com o outro, dando tudo o que se possui. Porque dando é que se vive. Quanto mais se dá, melhor se vive. Esta é a verdadeira religião, o que significa não trabalhar para si próprio, mas trabalhar para os outros, trabalhar para todos sem fronteiras nem barreiras de casta, credo ou religião.

P. - O hinduísmo também é uma religião ou é mais uma filosofia de vida?
R. - O hinduísmo propõe um trajecto de vida, estabelece valores e condutas morais e éticas. Para responder às questões: "Como devemos viver esta vida, bela?" Esta vida é um dom que recebemos. "Mas como podemos partilhar este dom com os outros?" Se se vive em paz, então pode-se partilhar paz. "Se não se vive em paz, como se pode transmitir paz?" Então a primeira coisa que o hinduísmo ensina é: viver em paz. Quando se vive em paz, exala-se paz, manifesta-se paz e espalha-se paz. Se se vive em guerra, em conflito, em confusão, o que se partilha é conflito, confusão e violência. O Katha, este programa que desenvolvemos aqui [na comunidade hindu de Lisboa], ensina a estar em paz, não em pedaços ["to be in peace, not in pieces"], como não estar em conflito, mas estar em harmonia.

P. - No contexto do pós-11 de Setembro como vê o papel das religiões? Que comentário faz aos conflitos entre o cristianismo e o islamismo, judaísmo e islamismo, ou entre o hinduísmo e o islamismo, no contexto da tensão entre a Índia e o Paquistão?
R. - As pessoas estão muito mais confusas em questões de religião, desde que isso aconteceu [11 de Setembro], porque tudo o que se está a passar desde então está a ser entendido como uma guerra de religiões. Eu não penso que seja uma guerra de religiões. A religião ensina sempre a unir e não a desunir. A religião ensina a viver no amor, não em guerra. A religião ensina a curar e não a ferir. Então o que está a acontecer? O que nós vemos hoje, depois do 11 de Setembro, é uma guerra de poder, em nome da religião. Pretende-se conquistar o mundo em nome da religião. Mas este não é o verdadeiro caminho. A religião, tal como nós [no hinduísmo], ensina a viver, a amar e a trabalhar em comunhão, ensina a caminhar na unidade e na paz.

P. - Então concorda com iniciativas como a do Papa em Assis, com as religiões em conjunto?
R. - Sim, o diálogo é o único caminho. Só dialogando é que os conflitos podem ser resolvidos. Esta é a única forma, por isso o que o Papa fez é uma maravilha, é apreciável. Hoje, o mundo precisa de iniciativas destas. Deixem as religiões promover o encontro, o diálogo e a partilha entre as pessoas. Quando as religiões dialogam chegam à conclusão que dizem as mesmas coisas utilizando formas diferentes. A linguagem é uma barreira, a linguagem pode ser diferente, mas a mensagem é comum, é a mesma.

P. - Mas o que é específico do hinduísmo, em que é que ele pode contribuir para a construção de um mundo melhor, mais pacífico?
R. - Acima de tudo o amor. O amor cura tudo, cura todas as feridas. Só o amor. Depois, a segunda chave é o sacrifício.

P. - Hoje que se quer tudo fácil, como propor este discurso do sacrifício?
R. - Tem de ser explicado de forma simples. Como podem, nas suas vidas. Primeiro, quando se quer tudo só para si, então torna-se egocêntrico. Não se é feliz. Se tudo o que se tem se partilha com os outros, então alcança-se a felicidade. Juntar coisas, e mantê-las só para ti, pode satisfazer-te, mas não te fará feliz. Em última análise o sacrifício gera paz, felicidade, harmonia. Não luta, a luta existe onde existe o direito.

P. - O hinduísmo, com tantos deuses, não é uma religião um pouco complicada para uma mentalidade ocidental?
R. - Não. Não há muitos deuses. No hinduísmo existe um só Deus. Existem diversas formas e nomes do mesmo Deus. Como um homem, para a sua mulher é marido, para as crianças é pai e para os seus irmãos é irmão. Para os clientes pode ser um médico, ou qualquer outra coisa. Pode ser tratado por nomes diferentes e usar vestuários diversos, de acordo com as regras, a posição ou a função mas é sempre o mesmo homem. A mesma coisa se passa com Deus, no hinduísmo é sempre o mesmo e um só. Mas se tu o amas como pai, ele apresenta-se como pai; se tu o amas como uma mãe, ele vem como mãe; se tu lhe chamas amigo, então ele vem para te ajudar como um amigo. É a pessoa, é o devoto que cria as formas de Deus, não é Deus. Deus aproxima-se de acordo com as tuas necessidades e desejos. É por isso que tu vês muitas formas e muitos nomes de Deus, mas, de facto, Deus é um só.

P. - Deve-se ao hinduísmo a continuação do sistema de castas na Índia?
R. - Não. Não existe sistema de castas na Índia. Existem é quatro diferentes tipos de ocupação. O mesmo se passa aqui entre vós. Existem quatro tipos diferentes de pessoas. Uns possuem o conhecimento, que controlam o mundo com o poder do cérebro, a essas pessoas nós chamamos os brâmanes, têm o poder da sabedoria. O segundo grupo é constituído pelos guerreiros, e são designados por nomes como militares, polícia ou exército. Estes têm o poder dos músculos, para proteger os outros, nós chamamo-los xátrias. O terceiro tipo de pessoas são os que se dedicam aos negócios, nós chamamos a essas pessoas vaixiás. O quarto tipo são as pessoas que trabalham nas empresas, nas fábricas, os trabalhadores, a essas pessoas nós chamamos sudras. Portanto, é uma divisão de trabalho, não uma divisão de pessoas, de corações. O que acontece aqui e em toda a parte é semelhante à forma como a sociedade se organiza ali [na Índia], mas é interpretado erradamente. De facto, não existem barreiras e fronteiras [entre as pessoas], mesmo na Índia. Foram abolidas.

Fonte Público

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