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Notas sobre o Projecto de alterações ao Dec. Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto
2002-07-24 19:07:29

O art. 55º do Dec. Lei n.º 244/98 e o mecanismo nele previsto de concessão de autorização de permanência tem visto a sua aplicação impedida pelos serviços da administração do Estado, nomeadamente o SEF e a IGT, sem que se vislumbrem os fundamentos legais desse comportamento.


Ora, tão real e incontestável é a sua plena vigência, que o projecto em análise optou pela sua revogação expressa.
Salvo melhor opinião, a situação desenha-se da seguinte forma:
1. Todos os pedidos para concessão de autorização de permanência que tenham dado entrada na Inspecção Geral do Trabalho à data da publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 164/2001, ou seja até 30 de Novembro de 2001, devem ser deferidos desde que os requerentes reunam as condições das diversas alíneas do n.º 1 do Art. 55º, na sua actual redacção;
2. Os pedidos apresentados após essa data e até 31 de Dezembro de 2001, só devem ser apreciados (“só se dará início a novos processos de concessão de autorização de permanência”) em casos devidamente justificados, ou seja, sempre que o respectivo Requerente apresente um motivo relevante para não ter submetido o pedido antes de 30 de Novembro ou para não estar sujeito às necessidades de mão de obra e aos limites de entradas previstos na Resolução.
3. Finalmente, a partir de 1 de Janeiro de 2002, tendo caducado, por força da disposição do seu n.º 3 (“até 31 de Dezembro de 2001”), a validade do Relatório anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 164/2001, retoma plena vigência o art. 55º do Dec. Lei n.º 244/98, na sua redacção actual.
Sendo estes os textos legais, esta é também a única solução que permite uma transição suave para o regime mais condicionado já indiciado na Resolução que temos vindo a referir e agora reforçado pelo Projecto em discussão.
De outra forma, por um lado ficariam objectivamente defraudadas as legítimas expectativas dos trabalhadores imigrantes que, informados da vigência do art. 55º se deslocaram para Portugal, encontraram trabalho e estão em situação irregular por força das dificuldades contrárias à lei criadas pela IGT e pelo SEF; por outro, o Estado português ver-se-ia a braços com um seríssimo problema decorrente da existência de um “exército de clandestinos”, facilmente controlável pelas diversas máfias que actuam nesta área, agravando os já conhecidos problemas de fiscalização e de repressão da imigração clandestina.
Tem, por isso, todo o sentido que o Projecto ora em discussão contenha uma norma transitória que, a par da sua revogação, assegure a aplicação do art. 55º a todos os pedidos que tenham dado entrada na IGT até à data da sua entrada em vigor.
Mas a eficácia desta solução fica, obviamente, condicionada à adopção de medidas institucionais junto da IGT e do SEF com o objectivo de darem andamento aos processos que lhes são submetidos ao abrigo deste preceito, concedendo as necessárias autorizações de permanência.
E, do mesmo modo, é essencial que a IGT não faça letra morta do mecanismo legal supletivo de prova da existência do contrato de trabalho através de declaração do imigrante, sancionada pelo respectivo sindicato ou outra associação, previsto nas als. C) do n.º 1 e c) do n.º 2 do Art. 28º do Decreto Regulamentar n.º 5-A/2000, de 26 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Regulamentar n.º 9/2001, de 31 de Maio.
Só assim o Estado português respeitará os compromissos que assumiu com os imigrantes e criará as condições jurídicas propícias à aplicação de uma política de imigração diferente.

II - NOTA SOBRE O ARTICULADO

Capítulos I e II - É de aplaudir a precisão de alguns conceitos jurídicos, a flexibilização de soluções, como a possibilidade de prova não só documental no art. 15º, ou o Termo de Responsabilidade no art. 15º-A.
No entanto, o sistema vigente para a entrada e interdição de entrada de estrangeiros sofre uma lacuna que este diploma bem podia corrigir. Não só permite a audiência de interessado – art. 22º - que pode conduzir à expulsão, sem assistência de defensor oficioso, como não prevê nenhum sistema de apoio judiciário em caso de carência económica.
Tal lacuna é incompatível com a garantia constitucional do direito de defesa, que tem tradução legal no art. 42º da Lei n.º 30-E/2001 (Lei do Apoio Judiciário), e viola expressamente a possibilidade de apoio judiciário a cidadãos estrangeiros não residentes nos casos de reciprocidade, previstos naquele diploma.
A fragilidade própria da situação do estrangeiro, principalmente quando deixa o seu país por motivos económicos e as obrigações de Portugal na defesa dos direitos humanos são motivos mais que suficientes para que se encontre, de imediato, uma solução legislativa adequada, que garanta aconselhamento e protecção jurídica dos estrangeiros sujeitos a processo que possam conduzir à interdição de entrada em território nacional ou à sua expulsão.
Para maior clareza da lei, deveria ainda ser definido no art. 23º o prazo e os efeitos da interposição do recurso e a entidade a quem o recurso deve ser dirigido.

Capítulo III – Nesta matéria, parece-nos que muito se ganharia se fosse possível introduzir mais transparência no processo de concessão de vistos, nomeadamente daqueles que são concedidos no estrangeiro.
Assim, valeria a pena prever a remessa ao SEF, em curto prazo, da relação de todos os pedidos de vistos apresentados, independentemente de decisão que sobre eles seja proferida; que todos os pareceres a emitir estejam sujeitos ao prazo do art. 51º-A e respectiva cominação (o que não nos parece claro no actual texto); e que seja fixado um prazo rígido para a concessão do visto assim que o processo, devidamente instruído, seja recebido pela entidade competente para a concessão.
Por outro lado, deveria ser introduzida uma norma que tornasse clara a possibilidade de recurso e que explicitasse a sua forma, prazo e efeitos.
Quanto ao Relatório previsto no art. 36º, são já conhecidas as críticas que se lhe fazem: o prazo de vigência demasiado longo, num mundo em acelerada mutação, a imperatividade do limite de entradas e, ainda, a inexistência de mecanismos legais de escape – como é actualmente o art. 55º - traduzem uma solução muito rígida que ou será necessariamente adaptada, pela prática ou pelo legislador, à realidade, ou, então, fomentará um incremento grande de imigração clandestina, principalmente em prejuízo dos próprios imigrantes.
E matéria de cancelamento dos vistos, para além da necessidade de precisar o que são as “razões atendíveis” mencionadas no n.º 2 do art. 51º-B, há que reconhecer que a remissão genérica para os capítulos II e III da al. a) do n. 1 daquele preceito ou a invocação de cessação dos motivos da al. c) são inconciliáveis com a segurança jurídica que os cidadãos, mesmo estrangeiros e imigrantes, podem esperar do Estado português. Os motivos do cancelamento que tem, obviamente, um impacto extraordinário na vida de seres humanos e das respectivas famílias, devem ser especificadamente enunciados.
Quanto ao reagrupamento familiar, não vemos nenhuma razão para limitar aos filhos menores o direito ao reagrupamento e parece-nos inaceitável a exigência de manutenção de laços familiares para subsistência do direito, sempre que haja filhos. A dissolução de laços familiares só se pode verificar em relação ao casamento (ou situação legalmente equivalente) e não é admissível que não seja salvaguardada a possibilidade de existirem filhos que, na solução proposta, seriam irremediavelmente afastados do convívio de um dos progenitores.
Nesta matéria, tem também de ser regulada ex novo a situação dos filhos de imigrantes titulares de autorização de permanência nascidos em Portugal, a qual não tem ainda tratamento legal.

Capítulo VII – O conceito de residência legal da al. a) do n.1 e do n.º 2 do art. 85º deveria ser precisado.

Capítulo IX – De par com as medidas transitórias propostas na Nota Prévia, sugerimos que se preveja a possibilidade de estrangeiros que estejam em Portugal e reunam as condições previstas no actual art. 55º, excepto a da al. d) e que, por esse motivo, venham a abandonar voluntariamente o território nacional nos termos do art. 126º, serem readmitidos em território nacional ao fim de seis meses, através dos mecanismos legais ( visto de trabalho, de residência ou autorização de permanência) que então estiverem em vigor.

Capítulo X – Em matéria penal, a preocupação principal tem a ver com as organizações humanitárias e com a sua actividade de apoio, protecção e auxílio aos imigrantes. Sem pretender que sejam consideras acima da lei, é óbvio que a sua acção nada tem em comum com aquelas outras que têm fins lucrativos, ou que actuam no âmbito de laços especiais comunitários com os agentes das infracções. Devem, por isso, estas organizações humanitárias, já porque é óbvia a inexistência de consciência da ilicitude, já porque não se pode deixar de reconhecer que a sua acção é relevante para o País e é de interesse nacional, devem, dizíamos, ter um tratamento específico em matéria penal, para não dar azo a mal-entendidos.

Capítulo XII – O art. 144º deve ser completamente reequacionado, para se perceber a natureza dos procedimentos em cada uma das suas previsões. Se em matéria de contra-ordenações a solução legal é clara, já no que se refere ao pagamento de créditos salariais, créditos fiscais e créditos da segurança social o sistema parece muito confuso. E o n.º 8 daquele preceito é-nos totalmente opaco. Talvez não fosse de inovar muito, mas antes estabelecer um sistema célere de comunicação entre as entidades competentes para que cada uma proceda de acordo com a sua competência própria.
Finalmente vale a pena reflectir sobre a situação do trabalhador com créditos salariais sujeito a medida de afastamento. Será a medida suspensa até à efectiva cobrança? O MP sub-roga-se no direito de reclamar o crédito. Poderá existir um fundo de garantia?

Assessoria Jurídica do Colectivo das Organizações Católicas ligadas à Imigração

Lisboa, 09 de Julho 2002


Fonte Ecclesia

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