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UM RENOVADO COMPROMISSO DA VIDA CONSAGRADA: PARTIR DE CRISTO - II parte
2002-06-29 09:34:07

A CORAGEM DE ENFRENTAR PROVAS
E DESAFIOS

11. Um olhar realista sobre a situação da Igreja e do mundo obriga-nos a perceber também as dificuldades nas quais a vida consagrada se encontra vivendo. Todos somos conscientes igualmente das provas e das purificações às quais ela está hoje submetida. O grande tesouro do dom de Deus guarda-se em frágeis vasos de barro (cfr. 2 Cor 4, 7) e o mistério do mal arma ciladas também àqueles que dedicam a Deus toda a sua vida. Se se presta agora certa atenção aos sofrimentos e desafios que hoje perturbam a vida consagrada não é para dirigir-lhe um juízo crítico nem condenatório, mas para mostrar, uma vez mais, toda a solidariedade e vizinhança amorosa de quem quer partilhar não apenas as alegrias, mas também as dores. Observando algumas particulares dificuldades, procurar-se-á ter o olhar de quem sabe que a história da Igreja é conduzida por Deus e que tudo contribui para o bem daqueles que O amam (cfr. Rm 8, 28). Nesta visão de fé, até o negativo poderá ser ocasião para um novo início, se nele se reconhecer o rosto de Cristo, crucificado e abandonado, que se fez solidário com os nossos limites, a ponto de, sobre a cruz, carregar nossos pecados em seu próprio corpo (cfr. 1 Pd 2, 24).41 A graça de Deus manifesta-se, pois, plenamente na nossa debilidade (cfr. 2 Cor 12, 9).


Reencontrar o sentido e a qualidade da vida consagrada

12. As dificuldades com que hoje se enfrentam as pessoas consagradas assumem múltiplas feições, sobretudo se levarmos em conta os diversos contextos culturais nos quais elas vivem. A diminuição dos membros em muitos Institutos e o seu envelhecimento, evidente nalgumas partes do mundo, fazem surgir a pergunta se a vida consagrada seria ainda um testemunho visível, capaz de atrair os jovens. Se, como se afirma em certos lugares, o terceiro milênio será o tempo de protagonismo dos leigos, das associações e dos movimentos eclesiais, podemos perguntar-nos: qual será o lugar reservado às formas tradicionais de vida consagrada? Ela, João Paulo II no-lo recorda, tem ainda uma grande história a construir junto a todos os fiéis.42

Não podemos, contudo, ignorar que a vida consagrada, às vezes, parece não contar com a devida consideração, isso quando não existe até mesmo uma certa desconfiança em relação a ela. Por outro lado, em face à progressiva crise religiosa que investe contra uma grande parte da nossa sociedade, as pessoas consagradas, hoje de modo particular, são obrigadas a procurar novas formas de presença e a propor-se não poucos interrogativos sobre o sentido da sua identidade e do seu futuro.

Ao lado do impulso vital, capaz de testemunho e de doação até ao martírio, a vida consagrada conhece também a insídia da mediocridade na vida espiritual, do progressivo aburguesamento e da mentalidade consumista. A complexa condução das obras, embora pedida pelas novas exigências sociais e pelas normativas dos Estados, unida à tentação do eficientismo e do ativismo, ameaçam ofuscar a originalidade evangélica e debilitar as motivações espirituais. O prevalecer de projetos pessoais sobre os comunitários pode lesar profundamente a comunhão da fraternidade.

São problemas reais que, todavia, não se devem generalizar. As pessoas consagradas não são as únicas a viver em tensão entre secularismo e autêntica vida de fé, entre a fragilidade da própria humanidade e a força da graça; esta é a condição de todos os membros da Igreja.

13. As dificuldades e os interrogativos vividos hoje pela vida consagrada podem introduzir num novo kairós, num tempo de graça. Neles se esconde um autêntico apelo do Espírito Santo a redescobrir as riquezas e potencialidades desta forma de vida.

Ter de conviver, por exemplo, com uma sociedade onde reina amiúde uma cultura de morte, pode se tornar um desafio a ser, com mais força, testemunhas, portadores e servos da vida. Os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência, vividos por Cristo na plenitude da sua humanidade de Filho de Deus e abraçados por seu amor, aparecem como uma via para a realização plena da pessoa em oposição à desumanização, um poderoso antídoto para a inquinação do espírito, da vida e da cultura; proclamam a liberdade dos filhos de Deus e a alegria de viver segundo as bem-aventuranças evangélicas.

A impressão que se pode ter de uma queda na estima pela vida consagrada, por parte de alguns setores da Igreja, pode ser viviva como um convite a uma purificação libertadora. A vida consagrada não procura louvores nem apreços humanos, ela é recompensada pela alegria de continuar a trabalhar operosamente a serviço do Reino de Deus, para ser germe de vida que cresce em segredo, sem esperar recompensa diversa da que o Pai dará ao final (cfr. Mt 6, 6). Ela encontra a sua identidade no chamamento do Senhor, no seu seguimento, amor e serviço incondicionais, capazes de cumular uma vida e de dar-lhe plenitude de sentido.

Se, nalguns lugares, as pessoas consagradas convertem-se em pequeno rebanho, devido à redução numérica, este fato pode ser lido como um sinal providencial que convida a recuperar a missão essencial de levedura, de fermento, de sinal e de profecia. Quanto maior se apresentar a massa a levedar, tanto mais rico em qualidade deverá ser o fermento evangélico, e tanto mais refinados o testemunho de vida e o serviço carismático das pessoas consagradas.

A crescente tomada de consciência a respeito da universalidade da vocação à santidade por parte de todos os cristãos,43 longe de fazer que se considere supérflua a pertença a um estado particularmente adaptado à consecução da perfeição evangélica, pode se tornar um motivo ulterior de alegria para as pessoas consagradas; elas estão agora mais próximas aos outros membros do Povo de Deus, com os quais partilham um caminho comum de seguimento de Cristo, numa comunhão mais autêntica, na emulação e na reciprocidade, no auxílio recíproco da comunhão eclesial, sem superioridade nem inferioridade. Ao mesmo tempo, uma tal consciência é um chamado à compreensão do valor de sinal da vida consagrada em relação à santidade de todos os membros da Igreja.

Se, de fato, é verdade que todos os cristãos são chamados «à santidade e à perfeição do próprio estado»,44 as pessoas consagradas, graças a uma «nova e especial consagração»,45 têm a missão de fazer que resplandeça a forma de vida de Cristo, por meio do testemunho dos conselhos evangélicos, para sustento da fidelidade de todo o Corpo de Cristo. Esta não é uma dificuldade, mas sim um estímulo para a originalidade e a específica contribuição dos carismas da vida consagrada, os quais são, ao mesmo tempo, carismas de espiritualidade compartilhada e de missão em favor da santidade da Igreja.

Em suma, tais desafios podem constituir um potente apelo a aprofundar a própria vivência da vida consagrada, cujo testemunho se faz hoje, mais do que nunca, necessário. Oportuno é recordar como os santos fundadores e fundadoras souberam responder com genuína criatividade carismática aos desafios e dificuldades de seu próprio tempo.

A missão dos superiores e das superioras

14. Missão fundamental, na hora de reencontrar o sentido e a qualidade da vida consagrada, é a dos superiores e superioras, aos quais se confiou o serviço da autoridade, tarefa exigente e, às vezes, contrariada. Essa missão requer uma constante presença, capaz de animar e de propor, de recordar a razão de ser da vida consagrada e de ajudar as pessoas que lhe foram confiadas no sentido de uma fidelidade sempre renovada ao chamado do Espírito. Nenhum superior pode renunciar à sua missão de animação, de ajuda fraterna, de proposta, de escuta e de diálogo. Só assim é que a comunidade toda poderá achar-se unida na plena fraternidade, no serviço apostólico e ministerial. Permanecem de grande atualidade as indicações oferecidas no documento da nossa Congregação intitulado A vida fraterna em comunidade, o qual, falando dos aspectos da autoridade que hoje se devem valorizar, menciona a tarefa da autoridade espiritual, da autoridade operadora de unidade e da autoridade que sabe tomar a decisão final e assegurar-lhe a execução.46

Pede-se uma participação convencida e pessoal na vida e missão da comunidade a cada um de seus membros. Mesmo que, em última instância, e segundo o direito próprio, pertença à autoridade o tomar decisões e o fazer opções, o caminho cotidiano da vida fraterna em comunidade postula uma participação que consente o exercício do diálogo e do discernimento. Todos e cada um na comunidade podem, desse modo, confrontar a própria vida com o projeto de Deus, fazendo juntos a Sua vontade.47 A corresponsabilidade e a participação se exercitam também nos diversos tipos de conselhos, nos vários níveis, lugares onde deve reinar, antes de mais nada, uma plena comunhão, de tal modo a ter constantemente consigo a presença do Senhor que ilumina e guia. O Santo Padre não hesitou em recordar a antiga sabedoria da tradição monástica para um reto exercício concreto da espiritualidade de comunhão, que promove e assegura a participação ativa de todos.48

Em tudo isso, ajudará uma séria formação permanente, no âmbito de uma reconsideração radical do problema da formação nos Institutos de vida consagrada e nas Sociedades de vida apostólica, para estabelecer um caminho autêntico de renovação: esta, com efeito, «depende principalmente da formação dos seus membros».49

A formação permanente

15. O tempo em que vivemos impõe que se repense, em geral, a formação das pessoas consagradas, sem a limitar a um único período da vida. Não só para que se façam sempre mais capazes de se inserir numa realidade que se modifica com um ritmo muitas vezes frenético, mas também, e primeiramente, porque é a própria vida consagrada que exige, pela sua mesma natureza, uma constante disponibilidade naqueles que a ela são chamados. Se, de fato, a vida consagrada é, em si mesma, uma «progressiva assimilação dos sentimentos de Cristo»,50 parece evidente que um tal caminho não poderá durar senão toda uma existência, para comprometer toda a pessoa, coração, mente e forças (cfr. Mt 22, 37), fazendo-a semelhante ao Filho que se doa ao Pai pela humanidade. Assim entendida, a formação não é mais apenas um tempo pedagógico de preparação para os votos, mas representa um modo teológico de pensar a própria vida consagrada, que é, em si, uma formação jamais terminada, uma «participação na ação do Pai que, através do Espírito, plasma no coração (...) os sentimentos do Filho».51

Importante será, então, que cada pessoa consagrada seja formada para a liberdade de aprender ao longo de toda a sua vida, em cada idade e época, em cada ambiente e contexto humano, de cada pessoa e de cada cultura, para deixar-se instruir por qualquer fragmento de verdade e de beleza que encontrar ao seu redor. Mas deverá aprender principalmente a se fazer formar pela vida cotidiana, pela sua própria comunidade, por seus irmãos e irmãs, pelas coisas de sempre, ordinárias e extraordinárias, pela oração bem como pela fadiga apostólica, na alegria e no sofrimento, até ao momento da morte.

Decisivos se fazem portanto a abertura ao outro e à alteridade e, de modo especial, a relação com o tempo. As pessoas em formação contínua reapropriam-se do tempo, não o sofrem, acolhem-no, porém, como dom e entram com sabedoria nos diversos ritmos (cotidiano, semanal, mensal e anual) da própria vida, buscando a sintonia entre estes e o ritmo fixado por Deus, imutável e eterno, que marca os dias, os séculos e o tempo. De um modo todo particular, a pessoa consagrada aprende a deixar-se plasmar pelo ano litúrgico, em cuja escola revive progressivamente em si os mistérios da vida do Filho de Deus com os seus mesmos sentimentos, para partir de Cristo e da sua Páscoa de morte e ressurreição, a cada dia da vida.

A animação vocacional

16. Um dos primeiros frutos de um caminho de formação permanente é a capacidade cotidiana de viver a vocação como dom sempre novo a acolher-se com um coração agradecido. Um dom ao qual responder com uma atitude sempre mais responsável, a testemunhar-se com convicção e capacidade de contágio a fim de que outros possam sentir-se chamados por Deus àquela vocação particular ou ainda a outros caminhos. O consagrado é também, por sua própria natureza, um animador vocacional; quem foi chamado pois, não pode não se tornar, ele mesmo, um arauto. Há, portanto, um laço natural entre formação permanente e animação vocacional.

O serviço às vocações é um dos ulteriores, novos e mais comprometedores desafios que a vida consagrada tem, hoje, por diante. De um lado, a globalização da cultura e a complexidade das relações sociais dificultam as opções de vida radicais e duradouras; de outro, o mundo vive em crescente experiência de sofrimentos materiais e morais que minam a própria dignidade do ser humano e reclamam, em modo tácito, quem anuncie com força uma mensagem de paz e de esperança, quem traga a salvação de Cristo. Ressoam em nossas mentes as palavras de Jesus a seus apóstolos: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso, pedi ao Dono da messe que mande trabalhadores para a colheita» (Mt 9, 37-38; Lc 10, 2). O primeiro compromisso da pastoral vocacional será sempre a oração. Sobretudo lá onde raros são os ingressos na vida consagrada, solicita-se uma renovada fé no Deus que pode suscitar filhos de Abraão até das pedras (cfr. Mt 3, 9) e fazer fecundos os ventres estéreis, se invocado com confiança. Todos os fiéis, e principalmente os jovens, devem-se comprometer nesta manifestação de fé em Deus, o único que pode chamar e enviar os seus operários. Toda a Igreja local: os Bispos, presbíteros, leigos, pessoas consagradas, é chamada a assumir a responsabilidade frente às vocações de particular consagração.

A via mestra da promoção vocacional à vida consagrada é a que o Senhor mesmo iniciou, quando disse aos apóstolos João e André: «Vinde ver» (Jo 1, 39). Este encontro, acompanhado pela partilha da vida, pede às pessoas consagradas que vivam profundamente a sua consagração, de modo a serem sinal visível da alegria que Deus dá a quem escuta o seu chamado. Daí a necessidade de comunidades acolhedoras e capazes de compartilhar o seu ideal de vida com os jovens, deixando-se interpelar pelas exigências de autenticidade e prontas para caminhar com eles.

A Igreja local é um ambiente privilegiado para este anúncio vocacional. Nela, todos os ministérios e carismas exprimem a sua reciprocidade52 e realizam juntos a comunhão no único Espírito de Cristo e a multiplicidade das suas manifestações. A presença ativa das pessoas consagradas ajudará as comunidades cristãs a se tornarem laboratórios da fé,53 lugares de busca, de reflexão e de encontro, de comunhão e de serviço apostólico, nos quais todos se sintam partícipes na edificação do Reino de Deus em meio aos homens. Cria-se assim o clima característico da Igreja como família de Deus, ambiente que facilita o recíproco conhecimento, a partilha e o contágio dos valores peculiares que se encontram à raiz da opção por doar toda a própria vida pela causa do Reino.

17. O cuidado pelas vocações é uma missão crucial para o futuro da vida consagrada. A diminuição das vocações, particularmente no mundo ocidental, e o seu crescimento na Ásia e na África desenham uma nova geografia da presença da vida consagrada na Igreja e novos equilíbrios culturais na vida dos Institutos. Este estado de vida, que através da profissão dos conselhos evangélicos, dá aos traços característicos de Jesus uma típica e permanente visibilidade no meio do mundo,54 vive hoje um tempo particular de reflexão e de procura de novas modalidades em culturas novas. Trata-se certamente de um promissor início para o desenvolvimento de expressões ainda por explorar das suas múltiplas formas carismáticas.

As transformações em ato exigem diretamente de cada um dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica que dêem um forte sentido evangélico à sua presença na Igreja e ao seu serviço à humanidade. A pastoral das vocações pede que se desenvolvam novas e mais profundas capacidades de encontro, que se ofereçam, com o testemunho da vida, itinerários característicos de seguimento de Cristo e de santidade, e que se anunciem, com força e clareza, a liberdade que brota de uma vida pobre, que tem o Reino de Deus como único tesouro; a profundidade do amor de uma existência casta, que quer chegar a ter um só coração: o de Cristo, e a força de santificação e renovação contida numa vida obediente, cujo único horizonte é o de cumprir a vontade de Deus para a salvação do mundo.

Hoje, a promoção das vocações é tarefa que não pode ser delegada, em forma exclusiva, a alguns especialistas nem separada de uma verdadeira pastoral juvenil que faça sentir sobretudo o amor concreto de Cristo pelos jovens. Cada comunidade e todos os membros do Instituto são chamados a encarregar-se do contato com os jovens, de uma pedagogia evangélica do seguimento de Cristo e da transmissão do carisma. Os jovens esperam quem saiba propor estilos de vida autenticamente evangélicos e caminhos de iniciação aos grandes valores espirituais da vida humana e cristã. São, portanto, as pessoas consagradas que devem redescobrir a arte pedagógica de suscitar e libertar as profundas perguntas, freqüentemente escondidas no coração das pessoas, em particular, dos jovens. Acompanhando o caminho de discernimento vocacional, as pessoas consagradas serão estimuladas a mostrar a fonte de sua identidade. Comunicar a própria experiência de vida significa sempre fazer memória da mesma, revendo aquela luz que guiou a escolha pessoal da vocação.

Os percursos formativos

18. No que concerne à formação, o nosso Dicastério emanou dois documentos: Potissimum institutioni e A colaboração inter-Institutos para a formação. Somos, todavia, bem conscientes dos desafios sempre novos que os Institutos devem enfrentar neste campo.

As novas vocações que batem às portas da vida consagrada apresentam profunda diversidade e necessitam de atenções pessoais e metodologias adaptadas a assumir a sua concreta situação humana, espiritual e cultural. Por isso, é mister levar à prática um sereno discernimento, livre das tentações do número ou da eficiência, para verificar, à luz da fé e das possíveis contraindicações, a veracidade da vocação e a retidão das intenções. Os jovens precisam ser estimulados aos altos ideais do seguimento radical de Cristo e às profundas exigências da santidade, em vista de uma vocação que os supera e vai talvez mais além do projeto inicial que os moveu a entrar num determinado Instituto. A formação, por isso, deverá ter as características da iniciação ao seguimento radical de Cristo. Uma vez que o fim da vida consagrada consiste na configuração com o Senhor Jesus, é necessário levar à prática um itinerário de progressiva assimilação dos sentimentos de Cristo para com o Pai.55 Isso ajudará a integrar conhecimentos teológicos, humanísticos e técnicos com a vida espiritual e apostólica do Instituto e conservará sempre a característica de escola de santidade.

Os desafios mais comprometedores que a formação se vê obrigada a enfrentar provêm dos valores que dominam a cultura globalizada dos nossos dias. O anúncio cristão da vida como vocação, vida que brota de um projeto de amor do Pai e que necessita de um encontro pessoal e salvífico com Cristo na Igreja, deve-se deparar com concepções e projetos dominados por culturas e histórias sociais extremamente diversificadas. Existe o risco de que as opções subjetivas, os projetos individuais e as orientações locais venham a sobrepor-se à Regra, ao estilo de vida comunitária e ao projeto apostólico do Instituto. Faz-se necessário um diálogo formativo capaz de acolher as características humanas, sociais e espirituais de cada um, discernindo nelas os limites humanos, que pedem a superação, e as provocações do Espírito, capazes de renovar seja a vida do indivíduo, seja a do mesmo Instituto. Num tempo de profundas transformações, a formação deverá estar atenta em radicar no coração dos jovens consagrados os valores humanos, espirituais e carismáticos necessários para fazê-los idôneos a realizar uma «fidelidade criativa»56 no sulco da tradição espiritual e apostólica do Instituto.

A interculturalidade, a diferença etária e os diversos projetos caracterizam sempre mais os Institutos de vida consagrada. A formação deverá educar para o diálogo comunitário na cordialidade e na caridade de Cristo, ensinando a acolher a diversidade como riqueza e a integrar os diversos modos de ver e pensar. Assim, a busca constante de unidade na caridade far-se-á escola de comunhão para as comunidades cristãs e proposta de fraterna convivência entre os povos.

Deverá ser dada, também, uma atenção particular a uma formação cultural sintonizada com o tempo e em diálogo com a procura de sentido do homem de hoje. Por isso, exige-se uma maior preparação no campo filosófico, teológico, psicopedagógico e uma mais profunda orientação à vida espiritual, bem como modelos mais adequados no respeito às culturas nas quais nascem as novas vocações, itinerários bem definidos para a formação permanente e, sobretudo, auspicia-se que sejam destinadas para a formação as melhores forças, mesmo que isso demande notáveis sacrifícios. O emprego de pessoal qualificado e a sua adequada preparação são um dever prioritário.

Devemos ser bastante generosos para dedicar o tempo e as melhores energias à formação. As pessoas dos consagrados, com efeito, estão entre os bens mais preciosos de que a Igreja dispõe. Sem elas, todos os planos formativos e apostólicos restam mera teoria, desejos ineficazes. Sem esquecer que, numa época pressurosa como a nossa, urgem, mais do que nunca, tempo, perseverança e espera paciente para a consecução dos objetivos formativos. Em circunstâncias nas quais prevalecem rapidez e superficialidade, precisamos de serenidade e de profundidade porquanto muito lentamente se constrói, de fato, uma pessoa.

Alguns desafios particulares

19. Se se destacaram a necessidade da qualidade da vida e a atenção às exigências formativas, é porque estes parecem ser os aspectos mais urgentes. A Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica quisera, não obstante, fazer-se próxima às pessoas consagradas em todas as demais problemáticas e continuar um diálogo sempre mais sincero e construtivo.

Os Padres da Plenária são conscientes desta necessidade e manifestaram o desejo de um maior conhecimento e colaboração com os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica. A sua presença na Igreja local, e em particular a das várias congregações de direito diocesano, das Virgens consagradas e dos eremitas, requer uma especial atenção da parte do Bispo e de seu presbitério.

Da mesma forma, são sensíveis aos interrogativos que religiosos e religiosas se põem a respeito das grandes obras que, até agora, têm permitido um serviço na linha dos respectivos carismas: hospitais, colégios, escolas, casas de acolhida e de retiro. Nalgumas partes do mundo tais obras se pedem com urgência, noutras, torna-se difícil a sua gestão. Para encontrar uma solução, é preciso ter criatividade, sagacidade, diálogo entre os membros do Instituto, entre membros de Institutos com obras análogas e com os responsáveis da Igreja particular.

Muito vivas são igualmente as temáticas relativas à inculturação. Elas dizem respeito ao modo de encarnar a vida consagrada, à adaptação das formas de espiritualidade e de apostolado, às modalidades de governo, à formação, à gerência dos recursos e bens econômicos e ao desenvolvimento da missão. As instâncias expressas pelo Papa e dirigidas a toda a Igreja, valem também para a vida consagrada: «O cristianismo do terceiro milênio deverá responder cada vez melhor a esta exigência de inculturação. Permanecendo o que é, na fidelidade total ao anúncio evangélico e à tradição eclesial, o cristianismo assumirá também o rosto das diversas culturas e dos vários povos onde for acolhido e se radicar».57 A partir de uma verdadeira inculturação, espera-se da vida consagrada, bem como de toda a Igreja, um enriquecimento notável e uma nova era de impulso espiritual e apostólico.

Poderíamos passar em resenha muitas outras expectativas da vida consagrada, no início deste novo milênio e não terminaríamos mais, já que o Espírito empurra sempre para adiante, sempre mais além. A palavra do Mestre é que deve suscitar tanto entusiasmo em todos os seus discípulos e discípulas de modo a que façam memória agradecida do passado, vivam com paixão o presente e abram-se com confiança ao futuro.58

Escutando o convite dirigido por João Paulo II a toda a Igreja, a vida consagrada deve partir decididamente de Cristo, contemplando o seu rosto e privilegiando os caminhos da espiritualidade como vida, pedagogia e pastoral: «A Igreja espera também a vossa contribuição, Irmãos e Irmãs consagrados, para avançar ao longo deste novo trecho de estrada, segundo as orientações que tracei na Carta Apostólica Novo millennio ineunte: contemplar o rosto de Cristo, partir d'Ele e testemunhar o Seu amor».59 Só então a vida consagrada encontrará uma vitalidade nova para pôr-se a serviço de toda a Igreja e da humanidade inteira.

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Fonte Vaticano

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