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Altar sem padre
2002-05-25 10:18:24

Já lá vão mais de dois anos que o povo substituiu o pároco nas liturgias e festas católicas, em Paredes de Pinhão, uma pequena aldeia próxima de Vila Real. O padre quis retirar o altar secundário da capela, o povo opôs-se e a diocese retaliou. Agora, a prática religiosa é uma espécie de «faça você mesmo».

A devoção manda que, em Fevereiro, Paredes do Pinhão celebre a Senhora das Candeias, a sua santa padroeira, com uma procissão. A tradição já vem de longe, mas desde 2000 que tem um pormenor único: leva andores e imagens de santos, mas não leva o padre. Em Agosto, é a vez de Santa Bárbara. Mais uma procissão. A substituir o padre, de novo, um dos populares preside ao acto religioso. Na Páscoa, são os habitantes que fazem a habitual visita pascal, levando a todas as casas a cruz e as palavras de ressurreição. A festa tem toda a pompa, só não tem a autorização da Igreja Católica.

«São actos feitos totalmente à revelia da Igreja», garante António Fontes, vigário geral da diocese de Vila Real, alegando que estes actos religiosos têm de contar com a presença de um padre. As visitas pascais só podem ser realizadas por leigos sob a orientação da Igreja e com autorização expressa. O vigário-geral recusa a hipótese de uma punição, mas garante que, se quisesse, o bispo poderia interditar qualquer acto religioso na aldeia.

«A cruz que levo na procissão, a cruz que está no meu terço, vale tanto como a cruz do padre», contrapõe uma das habitantes de Paredes do Pinhão, Teresa Macedo.

A vida religiosa da pequena aldeia de 50 habitantes decorreu sem sobressaltos, até Fevereiro de 2000. Nessa altura, no âmbito de obras de remodelação da capela dos inícios do século XVIII, o padre anunciou alterações. Visto que a capela tem um altar-mor e um outro atrás deste, utilizado na época em que a missa era rezada de costas voltadas para o povo, o pároco decidiu que, para se ganhar espaço, esse altar secundário teria de ser retirado. Mas o povo rejeitou a ideia. O pároco insistia, o povo recusava e o caso acabou por transitar para a comissão de arte sacra da diocese. Ficou decidido, então, que o altar teria mesmo de sair. Segundo a comissão, ele não tem qualquer utilidade nem valia histórica.

Ninguém cede

Mas o povo não se conformou, considerou a decisão uma prepotência. A diocese retaliou: a aldeia ficava sem padre até que aceitasse a decisão da Igreja de retirar o altar. Até hoje.

«Nem que Deus desça à terra e nos peça para retirar o altar... nós não deixamos!» Teresa Macedo tem 73 anos e quase os mesmos a tratar da igreja. Já foi catequista, tesoureira, legionária. Agora, é ela que todos os dias reza o terço. Assume-se católica a «cem por cento», fica com os olhos inundados de lágrimas e solta a voz quase em gritos. «Nós não estamos a faltar ao respeito à diocese! Eles é que estão a profanar coisas sagradas!»

Ideia bem diferente tem o padre Fontes, para quem a questão do altar até já é secundária: «Eles não estão a respeitar as ordens da Igreja. Nós temos uma hierarquia, que tem de ser respeitada. Se ficou decidido que o altar tem de sair, os populares têm de aceitar.»

Para a missa, a alternativa é a igreja paroquial, em S. Lourenço, celebrada pelo seu pároco. Mas alguns dos habitantes preferem ficar em casa. «Não sei... Acho que lhe perdi o respeito como autoridade da Igreja, não consigo ir à missa onde ele reza», diz Ulema da Silva, antiga catequista de Paredes do Pinhão. Desde que o conflito estalou que as poucas crianças da aldeia deixaram de ter catequese. «Desmotivámos», admite Ulema.

Os funerais são realizados na igreja da paróquia, as missas de domingo são vistas e ouvidas noutros locais. «Quatro vezes! Vejo a missa quatro vezes na televisão!!!», garante Teresa Macedo. A capela já não costumava acolher missas dominicais, mas o povo deixou de ter direito às missas da semana. «Esta é uma aldeia de pessoas idosas. Há pouca gente com transporte para se deslocar a outras aldeias», diz um outro habitante, Aventino da Silva.

O ex-pároco da aldeia prefere não se pronunciar sobre o conflito. «É um problema da Igrejae não pessoal», alega o padre Horácio. Os populares, esses, não têm dúvidas: «É um braço-de-ferro. Mas nós não cedemos!» Para a Igreja, na versão do vigário-geral, o caso é simples: «Eles que façam e que fiquem com a igrejinha deles. Se nós temos razão, porque haveríamos de ceder?»


Fonte Expresso

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