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Primeira imagem de Fátima rejeitada
2002-05-13 15:31:41

Há um cheiro sacramental espalhado por S. Mamede do Coronado, na Trofa. Vem escorraçado pelo pó que sai das oficinas onde velhos "santeiros" talham e pintam estatuetas. São os discípulos de José Thedim, o homem que há 82 anos criou a imagem de Nossa Senhora de
Fátima. "Um mestre", diz Zacarias Tedim, sobrinho do escultor. "O número um em arte sacra", vinca o povo da aldeia.


José Thedim nasceu em S. Mamede do Coronado em 1892 e aí morreu em 1971. "O pai era escultor e os irmãos também. Mas o meu tio era o mais artístico de todos", recorda Zacarias, que aos 65 pouco mais faz do que meia dúzia de imagens.
As estátuas de Thedim primavam pela exuberância, conta Joaquim Oliveira, 76 anos, 20 dos quais a pintar o que Thedim cinzelava. "Era o único a moldar, a desenhar e a fazer. Lembro-me que na oficina havia uma educação especial. Um silêncio tremendo. Parecia uma
igreja".
Seria esse profissionalismo, que fez "escola" em S. Mamede do Coronado, que levaria a Igreja a escolher Thedim para talhar a figura de Nossa Senhora de Fátima. "Muito antes do meu tio ter sido incumbido, em 1917, de esculpir a imagem, já outra tinha sido feita
por Teixeira Lopes, escultor de arte antiga", explica Zacarias. "Era uma mulher de busto forte, vergada, vestida com um traje normal. Só que foi rejeitada".
Sem figura para assinalar o 13 de Maio, diz Zacarias, o Santuário encomendou outra. "Pediram uma nova imagem à Casa Fânzeres, de Braga, que a confiou a Thedim". Mas o contacto não terá sido casual, destaca o padre Lucindo Silva, abade há 17 anos da vizinha S. Romão do Coronado. "Thedim era amigo do antigo pároco de S. Mamede. E o bispo de Leiria, na época das Aparições, era de S. Pedro de Fins".

Multiplicação do dinheiro
Escolhido o "santeiro", "Thedim foi levado até à irmã Lúcia para recolher dados para o trabalho". Mas o certo, afirma Joaquim Oliveira, pintor, é que no início Thedim terá ido buscar ideias "a um catálogo espanhol" para conceber a imagem original. Sim, "porque
há uma original e uma repetitiva", frisa o padre Lucindo. "A diferença está na forma como foi feito o manto, mas também no facto de uma ser artística e a outra comercial". Foi esta última que acabou por encher os bolsos a muitos "santeiros", esclarece Avelino Vinhas, enquanto passeia os 90 anos pela escadaria da Casa Estúdios Nossa Senhora de Fátima. "Trabalhei com o Thedim dos 12 até aos 20 e depois estabeleci-me. Fiz milhares de contos de réis em Fátima e espalhei a nossa arte cristã por todas as nações do Mundo".
Hoje gaba-se de ter estátuas na China, na América, na Catedral de Luanda e até "um Coração de Maria na terra do Papa, em Cracóvia".

A visão de Lúcia
Acabada a obra, "com um metro e três centímetros da peanha até ao crânio", a imagem seguiu para o Santuário, assevera Zacarias Tedim. "Foi benzida pelo pároco de Fátima a 13 de Maio de 1920 e a 13 de Junho foi colocada na Capelinha das Aparições". A partir daí
o trabalho de Thedim internacionalizou-se. A tal ponto que em 1931 Pio XI atribuiu-lhe o título de comendador da Santa Sé.
Incansável, o escultor cria, em 1947, a Virgem Peregrina. Novamente, salienta Zacarias, "teve de falar com Lúcia, porque precisava de uma visão fiel". No trajecto das alterações à estátua juntou-se-lhe o discípulo Joaquim Oliveira. "Depois de ter dado a primeira volta ao Mundo, a imagem voltou e chamaram-me para a restaurar", conta. "Fui à presença de Lúcia que me disse o que queria e não queria na figura". E o que não queria, confessa, "era que soubessem que eu lá tinha estado".
Seguiu-se S. João de Deus, "Pietá", várias homenagens e um pedido especial do antigo presidente norte-americano Eisenhower que lhe encomendou uma "Santane de Beauprais".
Hoje, a obra de Thedim está espalhada por galerias, igrejas, mosteiros e conventos de todo o Mundo. O problema, frisa Joaquim Oliveira, é que a escola de Thedim está a acabar. "Os jovens não ligam a isto. E nós somos os santeiros, porque escultores, só os das Belas Artes".

Talhada em cedro
As primeiras imagens religiosas eram feitas em madeira de cedro vinda dos Estados de S. Paulo, Paraná e Santa Catarina. Uma material lenhoso, colorido e com um cheiro característico, bom para a talha. Porém, queixa-se Manuel Santos, 70 anos, discípulo de Thedim, "o Brasil não deixa vir o cedro por causa da destruição das florestas. E quando manda é só cedro em tábuas e isso não nos interessa". Até porque crucifixos não é o seu forte. "Agora usamos oqumé, uma madeira austríaca, que nos dá trabalho para mais de um mês". O tempo que Manuel Santos demora a "devastar o tronco" que dará lugar a uma nova Nossa Senhora de Fátima.

Fonte JN

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