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Irlanda: padre julgado por "heresia"
2002-05-11 22:50:38

O reverendo Andrew Furlong, da Igreja Anglicana na Irlanda, manteve secreta durante mais de trinta anos a sua visão pouco ortodoxa da doutrina cristã, segundo a qual Jesus não é "o mediador entre o Céu e a Terra nem morreu para salvar a humanidade".


Decano de Clonmacnoise, na República da Irlanda, o padre abalou a congregação quando finalmente tornou públicas as suas ideias num site da Internet o ano passado. A paróquia reagiu com inquietude. Afinal, os crentes não gostam de ver o clero com dúvidas sobre matérias de fé.

Num polémico artigo, intitulado "Uma crença com falhas fundamentais? Trabalhar no sentido duma transformação radical e revolucionária da cristandade", Andrew Furlong expôs as suas ideias, que desafiam a visão ortodoxa de Jesus. O dogma de que Cristo é o filho de Deus é essencial ao cristianismo, sendo esta a "verdade" que o padre questiona.

As principais objecções prendem-se com razões científicas ("a morte é um processo natural e não um castigo para o pecado"), éticas ("uma pessoa inocente não deve receber o castigo da culpa", teológicas (exigir uma morte humana e sacrifício no processo de perdão-salvação sugere sadismo divino). Jesus é relegado à categoria de comum mortal, um profeta apocalíptico "equivocado, enganado" que não era nem "sobre-humano nem divino".

O padre Furlong, de 54 anos, manteve-se firme na defesa das suas ideias e mostrou-se inicialmente intransigente, suscitando a fúria na paróquia. Muitos crentes queixaram-se que o seu discurso contrariava a linha ortodoxa. Em Dezembro, o bispo de Meath and Kildare suspendeu-o das funções cléricas durante três meses, para que reflectisse.

O julgamento perante o Sínodo Geral, o "supremo tribunal da Igreja", estava marcado para Abril mas foi adiado para hoje, por pedido do "arguido", que solicitou tempo para preparar o caso e instruir as testemunhas. O reverendo Furlong sabia que não tinha havido um julgamento por heresia há mais de um século na Irlanda, que a sua base de apoio lhe fugia debaixo dos pés e pediu a demissão, na terça-feira.

O caso abriria precedentes e representa um regresso a valores "fundamentalistas" do anglicanismo e cristianismo em geral. Bill Dowden escreveu no jornal Church Times que a crise tinha sido exagerada. "Apesar da posição do decano não ser ortodoxa, comentadores têm dito que a sua mensagem não é propriamente original, além de que o ataque é contra o Jesus histórico, não o Cristo da fé."

O grupo evangélico Reform Ireland, cujo objectivo é "converter esta ilha à fé cristã", teme que as opiniões de Andrew Furlong sejam apenas a "ponta do icebergue". Esta organização protestante mostrou-se chocada com o que descreve como uma manifestação de "recusa da fé" e "dessacrilização do Natal e da Páscoa", propondo uma maneira menos liberal de ensinar matérias de doutrina na Universidade de Teologia da Igreja da Irlanda. "Porque não foram tomadas medidas para que a ortodoxia doutrinária da Bíblia prevalecesse, em vez de promover ideias que geram dúvida e descrença?", refere o Reform Ireland.

A "heresia" do padre Furlong não mancha em especial a honra do anglicanismo irlandês num contexto social vasto, disse Marton Melaugh, do movimento Conflict Archive on the Internet. Melaugh explicou que "no meio urbano, os irlandeses já não são ratos de sacristia, são modernos e com abertura de espírito. As questões doutrinárias não são assim tão relevantes. São as histórias, por exemplo, de abuso de menores por padres, que ainda causam escândalo".


Fonte DN

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