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Umberto Eco: novo livro
2002-04-25 12:52:44

O diálogo é possível entre laicos e católicos, sem recurso à polémica inflamada e, muito menos, ao insulto. Se alguma dúvida nos restasse, este pequeno livro, assinado pelo célebre semiólogo e romancista Umberto Eco e por Carlo Maria Martini, bispo de Milão e cardeal, deixar-nos-ia tranquilos: dois homens com ideias e crenças bem diferentes, que se respeitam mutuamente, discutem em público, por escrito, com toda a serenidade, alguns dos temas que os preocupam e sobre os quais as suas divergências são inequívocas. Com proveito para todos nós, seus leitores.


Desde já, uma advertência: quando os dois intervenientes discutem os milenarismos e a esperança, a interrupção voluntária da gravidez e o momento exacto em que começa a vida humana, o sacerdócio feminino ou o fundamento último da ética, nunca estamos perante uma actividade lúdica ou um exibicionismo de erudição. E há neles algo mais do que a pretensão de "ter razão" - evidencia-se, acima de tudo, uma inequívoca vontade de esclarecer e de ser esclarecido, de encontrar pontos de convergência, de lançar os alicerces de uma sólida plataforma da qual seria possível partir a fim de encontrar, eventualmente, justificação para a passagem a uma possível ou necessária acção comum entre crentes e descrentes, nomeadamente nos terrenos da justiça ou da paz.

Não admira, pois, que a humildade de Umberto Eco e de Carlo Maria Martini seja, por vezes, manifesta: assim, o primeiro não se importará de conceder que "se é fundamentalmente cristão tanto quando se fala, com [o personalista] Mounier, de optimismo trágico, como quando se fala, com [o marxista] Gramsci, de pessimismo da razão e de optimismo da vontade"; quanto ao bispo de Milão, não se inibe de afirmar que "a Igreja reconhece não ter atingido a plena compreensão dos mistérios que vive e celebra, mas olha com confiança um futuro que lhe permitirá viver o cumprimento, não de simples expectativas ou desejos humanos, mas das próprias promessas feitas por Deus".

Talvez o conteúdo mais fascinante deste exemplar diálogo seja aquele que visa responder a uma longa pergunta feita pelo alto responsável eclesiástico ao assumido intelectual laico, e que se pode sintetizar assim: para nós, católicos, o fundamento último e absoluto da ética é Deus; e para vós, que não reconheceis princípios metafísicos absolutos nem imperativos categóricos incondicionalmente ou universalmente válidos, qual é esse fundamento último? Na esfera das relações interpessoais, da responsabilidade de cada um em relação ao seu próximo para além de qualquer lei escrita, a esfera da gratuitidade e da solidariedade, como vos guiais, quais são os vossos critérios de decisão? Basta-vos um fundamento puramente humanista? Em nome de quê podeis - trata-se de um caso limite -, perdoar aos vossos inimigos, como Jesus Cristo ensinou aos seus discípulos? Numa palavra, qual é a justificação última dos vossos princípios éticos?

A resposta de Umberto Eco só será surpreendente para quem se recusou sempre a ver nos humanismos contemporâneos - e nomeadamente no humanismo marxista, tão devedor do hegelianismo de esquerda - as suas profundas raízes cristãs. O laico, com toda a honestidade intelectual, confessa: "Estou muito embaraçado para responder à sua pergunta, porque a minha resposta seria significativa se eu tivesse sido desde sempre um laico: ora, eu recebi uma educação católica até aos 22 anos..." E, mais adiante: "Nem sempre estou seguro de que algumas das minhas convicções morais não dependam ainda deste sinal religioso que me marcou desde a origem." Isso não significa, porém, que Umberto Eco renuncie a encontrar uma base absoluta para o seu comportamento ético: a saber, a dignidade humana, a consciência de que o outro enquanto outro é credor de todo o respeito pela sua vida, pela sua liberdade, pela sua realização enquanto nosso igual. A verdade é que o outro está em nós - "e esta não é uma vaga propensão sentimental, mas certamente uma condição fundadora."

Terão o ateu ou o agnóstico encontrado no imperativo da solidariedade a contrapartida do amor ao próximo posto em evidência pelo cristianismo? E porque não? Afinal de contas, aos melhores de todos nós, crentes ou descrentes, não deverá repugnar - felizmente - assumir sem rodeios a condição de seres fraternos, nunca demasiadamente fraternos...

Fonte DN

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