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Padres Americanos Ouvem o Que Os Fiéis Sentem Sobre Os Escândalos
2002-04-23 18:31:05

Na sua igreja de St. Emeric, em Nova Iorque, o padre Joachim Beaumont tem tentado perceber como é que as revelações de escândalos de pedofilia envolvendo cérigos católicos dos EUA afectam os seus paroquianos.

Mas é difícil: "Tento dizer-lhes que devem dizer o que sentem, mas, até agora, não tenho tido muitas reacções, as pessoas ficam caladas. Temos rezado pela resolução dos problemas, procuro inspirar as pessoas nas homilias. Mas elas sentem-se magoadas por dentro."

À medida que se multiplicam nos jornais dos EUA cabeçalhos como "Escândalos na Igreja" ou "Mais padres pedófilos descobertos", a comunidade católica norte-americana enfrenta a sua maior crise de sempre. A acumulação de casos de padres acusados de pedofilia e a revelação de que os prelados mais importantes da igreja americana procuraram encobri-los têm recebido uma enorme cobertura nos media e gerado debates públicos sobre regras de disciplina como o celibato dos padres.

Como é que um padre explica os escândalos aos seus paroquianos? O padre Beaumont disse ao PÚBLICO que o primeiro problema é fazer com que eles sequer falem do assunto. "A maior parte dos crentes daqui são gente simples", diz. "Falei com alguns dos nossos paroquianos mais informados e eles sentem-se magoados, estão zangados com os bispos, com a forma como eles lidaram com esta situação. Mas, para dizer a verdade, tirando essas três ou quatro pessoas, não ouvi nada. E até os que falam não dizem nada se eu não lhes perguntar. Temos muitos idosos, que são mais tradicionalistas, e que não gostam de criticar a Igreja, porque foram educados assim. Não sei bem se eles não falam porque estão magoados demais ou apenas porque não sabem o que dizer."

A paróquia de Joachim Beaumont é um edifício de tijolo com ar degradado e rodeado de arame farpado que fica na Avenida D, uma das zonas mais pobres de Manhattan. O seu rebanho é composto por hispânicos, muitos deles imigrantes de primeira geração. Do outro lado da cidade, a igreja do padre Robert O'Donnel, a de São Paulo Apóstolo, é muito diferente: os seus fiéis são mais brancos e mais ricos que em St. Emeric. O padre O'Donell conta que na sua igreja foram organizadas reuniões para ouvir os crentes, e descobriu que eles estavam "muito magoados e zangados": "Os nossos paroquianos expressaram-nos a sua fúria. Mas acho que é correcta a ideia de que [essa fúria] é virada sobretudo contra os bispos", e não contra a fé ou a Igreja Católica.

"A consequência mais interessante que eu vejo sair disto é que católicos conservadores estão desiludidos com a liderança da Igreja. Isso significará mais envolvimento dos leigos e mais transparência na Igreja, e isso pode ser bom", diz o padre O'Donnell.

O epicentro dos protestos contra os bispos é a arquidiocese de Boston, de onde vieram as primeiras revelações. O cardeal Bernard Law, a principal figura da Igreja nos EUA, tem sido particularmente visado. Há diariamente manifestações de católicos a exigir que Law se demita, com cartazes como "metam o cardeal na cadeia". Law tem-se recusado a abandonar o cargo, mas poderá ser instado a fazê-lo pelo Papa. Um dos cardeais que estará hoje com João Paulo II no Vaticano disse ao "Los Angeles Times" que os cardeais vão pedir ao Papa que pressione Law. Mas o bispo de Washington, cardeal Theodore McCarrick, disse que Law "merece uma chance" de tentar ultrapassar a tempestade.

"Muitos advogados"
Os EUA são um país religiosamente muito diversificado, com uma maioria de cristãos dividida em inúmeras confissões diferentes. A Igreja Católica, a que aderem 20 a 25 por cento dos americanos, é a maior das confissões cristãs, e está em crescimento, devido à afluência de imigrantes da América Latina.

O padre Beaumont - um espanhol de Pamplona que vive há quatro décadas na América - afirma: "Nos nossos países, o ambiente é católico, as pessoas são católicas porque tem mesmo de ser assim. Aqui há escolha." Beaumont acha contudo que ainda existe nos EUA um preconceito anti-católico.

"Antes era mais assim, agora nem tanto. Mas a Igreja Católica ainda tem muitos problemas neste país. Nisto [os casos de pedofilia] há muitos advogados que vêem a possibilidade de fazer muito dinheiro. Há incidentes em escolas, em outras igrejas, e ninguém liga a isso, talvez porque há ainda uma tradição neste país contra a Igreja Católica."

O padre O'Donnell não concorda: "Para alguns que têm uma atitude católica, [os escândalos] foram mais lenha para a fogueira. Em outros grupos, a Igreja perdeu algum do seu prestígio e respeitabilidade, mas tenho encontrado muita compreensão. Falei recentemente com membros da Igreja Presbiteriana, e eles têm o mesmo problema, os media focam-se em nós apenas porque os nossos números são maiores e também devido à estrutura de poder da Igreja Católica, onde é mais fácil apontar responsáveis."

Tem havido grandes debates nos media e dentro da comunidade católica sobre se a actual onda de escândalos irá aumentar a pressão dos católicos americanos sobre a hierarquia para que faça mudanças radicais - como acabar com a disciplina do celibato obrigatório ou admitir a ordenação de mulheres. O padre O'Donnell acha que não: "Há 25 anos que essas questões já são postas, e a maioria dos católicos americanos já é a favor dessas mudanças. Não são estes casos que vão fazer diferença."

Na igreja de Joachim Beaumont, Louisa Sanchez, uma mulher hispânica de meia-idade, não tem ou não quer dar opinião sobre o celibato. Mas diz-se triste com os escândalos: "Isto é mau para nós como católicos, porque os outros cristãos ficam a pensar mal da nossa Igreja. Mas agora dizem que o Papa vai falar com os bispos, não é? Ele há-de saber o que fazer."

Fonte Público

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