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O Psicanalista e o Padre Aconselham Os Cardeais
2002-04-23 18:30:30

Se hoje se encontrasse no Vaticano, com os cardeais e o Papa, o psicanalista João Seabra Dinis, 64 anos, sugeriria que a Igreja Católica revisse profundamente o esquema de "selecção e formação nos seminários" e que tratasse "com humanidade, mas com lucidez", os padres acusados de pedofilia.

O que significa ter consciência de que, "em geral, o pedófilo não se cura e reincide" e que os padres nessas circunstâncias deveriam ser colocados em situações em que não houvesse contacto com menores.

O padre Alberto Brito, jesuíta, que fez um estágio de quatro anos em psiquiatria e que tem dedicado grande parte do seu tempo a acompanhar pessoas com problemas, apontaria outros caminhos: "um estágio capaz nos primeiros anos do exercício do ministério sacerdotal", para os jovens padres; uma "relação familiar e de intimidade com Deus"; uma "relação de qualidade no trato com as outras pessoas"; o empenhamento total nas tarefas que são confiadas a cada padre; e uma "formação para a liberdade".

Numa coisa, ambos estão de acordo: o celibato não é o problema principal. A partir daí, os olhares vão em diferentes direcções: a pedofilia "é um desvio da sexualidade, uma situação patológica que existe independentemente do celibato", afirma Seabra Dinis, mas, para pessoas com dificuldades no âmbito da sexualidade, o celibato e uma carreira "em que o sexo não existe", é visto como uma solução. "O celibato tende a atrair pessoas com dificuldade, que até podem acreditar honestamente que desse modo resolvem os seus problemas."

Alberto Brito tem dedicado grande parte do seu tempo a acompanhar pessoas e já foi, durante 12 anos, responsável pela formação dos novos candidatos a jesuítas. Dessa experiência, retira, entre outras coisas, que não há qualquer relação de causa-efeito. "Uma coisa é a actual disciplina" do celibato obrigatório - que "mais ano, menos ano, mudará" - e outra, bem diferente, a experiência do celibato tantas vezes "fragmentado, dividido. "Quanto mais dividida for uma vida, mais fragilizada ela está. Só se conseguirá unificar se estiver trans-centrada numa causa mais alta", afirma.

É uma "causa impossível", querer banir a pedofilia do mapa dos problemas do clero, diz o padre jesuíta português. Para Alberto Brito, a pedofilia "é um sintoma e os sintomas não se podem tratar". Como sintoma, a questão revela a dificuldade de "gerir as emoções", uma tarefa que não é fácil, pois advém desse elemento dinâmico que é a "capacidade de amar". "Tudo depende", enfim, de ver "para onde se faz convergir essa energia". O celibato, visto como concretização dessa energia, pode ser sublime. Mas "a corrupção das coisas sublimes dá o pior", diz, recordando uma frase medieval.

Seabra Dinis, que faz psicanálise há cerca de 30 anos e é membro da Associação Psicanalítica Internacional, afirma que a função do padre, que o "investe de autoridade e poder sobre a intimidade das pessoas, pode criar situações muito delicadas". Mais ainda, se se aliar a frustrações ou problemas no campo da sexualidade.

Também a história e a relação do catolicismo com a sexualidade têm consequências: "Ao longo da história da Igreja, tem havido dificuldades claras em compreender o fenómeno da sexualidade humana. A Igreja propunha a renúncia ao sexo como caminho de perfeição e a virgindade ou castidade eram o estado de perfeição."

O problema está, portanto, na "concepção da maturidade humana e da autonomia", o que inclui a assunção de uma "identidade pessoal e da possibilidade da relação amorosa com outra pessoa". Concordando com Alberto Brito - "a Igreja Católica acabará por rever a disciplina do celibato, porque ainda não teve em conta os dados das ciências humanas modernas" -, Seabra Dinis acrescenta um exemplo: "Até há pouco tempo, ainda se dizia que a relação sexual era pecado venial" e o discurso era de que ela só devia servir para a procriação. "É muito problemático, numa idade em que os rapazes estão à procura de segurança e maturidade, na passagem para o estado adulto, que venha alguém dizer 'esquece a sexualidade'."

O psicanalista recorda outros dados importantes: as crianças podem, eventualmente, manifestar curiosidade pela vida sexual, mas "isso não quer dizer que o adulto deva ceder a ela": "A sexualidade dos adultos é um mistério para a criança e até certo ponto deve continuar a ser." Também os contextos cultural e científico eram outros, há 30 anos: nas décadas de 60 e 70, "defendia-se que se devia satisfazer a curiosidade das crianças" e isso era por muitos considerado como "progressismo". Tão pouco se sabia que o pedófilo reincidia. O que não desculpa nada: "Sempre houve na Igreja situações de hipocrisia."

E em Portugal? Nem Alberto Brito - que tem atendido mais casais que celibatários - nem Seabra Dinis atenderam, até hoje, casos de padres pedófilos. Nos países latinos "há mais medo e mais tolerância", diz o psicanalista. "Nos EUA, há uma cultura de denúncia, de discussão e de mais intolerância, enquanto aqui se dramatiza menos." Mesmo assim, Seabra Dinis teme que estes casos apareçam referidos na comunicação social, pelos autores e pelas vítimas. "A pedofilia tem graves implicações, deve ser tratada com muito cuidado, intervindo de modo a salvaguardar o direito das vítimas, e a evitar destroçar a família ou acusar inocentes."

Fonte Público

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