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Pedofilia - Igreja humilhada ou sociedade questionada?
2002-04-02 20:15:28

Têm sido difíceis os últimos tempos para a Igreja Católica americana.
A comunicação social trouxe-a para as primeiras páginas dos jornais e para a abertura dos seus noticiários. Foi objecto de debates e de inquéritos de opinião. A pedofilia, por parte de alguns sacerdotes, alguns já condenados em tribunal, outros com os processos em curso, tem sido motivo de escândalo para os fiéis.


No banco dos réus estão também as atitudes, julgadas demasiado tolerantes, de alguns prelados, com destaque para os cardeais de Boston e de Nova Iorque.
A publicidade dada aos acontecimentos, alguns deles passados já há vários anos, tem gerado inúmeras reacções da opinião pública, não faltando até quem veja nos actuais acontecimentos a maior crise da Igreja Católica nos últimos anos. Não faltaram também os sacerdotes que, nas assembleias dominicais, tentaram dar a leitura cristã possível dos acontecimentos. «Provocada», a Igreja falou. Sem rodeios. Com verdade e humildade. A título de exemplo, na missa crismal antecipada, o Arcebispo de Hartford, no Estado de Connecticut, dedicou a sua homilia a falar do problema, deixando uma palavra inequívoca de encorajamento aos padres para que prossigam no serviço ao povo de Deus sem receio e como testemunhos da esperança cristã.
Também eu o fiz para com a comunidade portuguesa. Este texto alarga o âmbito da reflexão.

1. A pedofilia, como abuso sexual sobre menores, venha de quem vier, é sempre condenável. E, entre agressor e vítima, deveremos todos olhar a vítima em primeiro lugar.

2. Verificando-se em camadas sociais diversificadas, professores, sacerdotes, médicos e outros, não é legítimo passar do prevaricador à instituição de que ele faz parte. Na interpretação dos factos, facilmente se esquece aquele para se condenar esta.

3. De facto, a pedofilia não pode ser considerada fruto da instituição ou do que esta ensina, mas teremos de ver a sua origem mais remotamente, na história pessoal do indivíduo que a praticou. As razões profundas que levam a tal desvio sexual estão ainda longe de serem descobertas, apesar da investigação em curso nos últimos anos. Olhar o fenómeno apenas numa dimensão criminal é mais um sintoma de hipocrisia social num reino de banalidades crescente. Elucidativo a este propósito a opinião de médicos de renome, nomeadamente psiquiatras e sexólogos, que reivindicam maiores investimentos para a investigação do fenómeno, dado não reconhecerem qualquer terapia que se tenha revelado eficaz perante o que consideram uma doença, que um dia a sociedade aceitará como tal à semelhança do que aconteceu com o alcoolismo.

4. Reconhece-se hoje, pela experiência dos últimos anos, que a transferência de cargo de um eventual pedófilo não é a atitude adequada. Sabe-se hoje, mas não se sabia antes. Sabe-se hoje a gravidade do fenómeno mas não antes. Não estranharemos, portanto, que, até nisto, o que se toma hoje como humilhação da Igreja, possa revelar-se no futuro um serviço à sociedade, porquanto, através dos «pecados» de alguns dos seus membros, não tem faltado gente séria que procura ir mais longe na sua análise e comece a impor-se um olhar diferente do problema: mais que crime, tal desvio grave pode ser uma doença. E o acusado de hoje poderá um dia ser ilibado ao ser considerado não apenas um criminoso mas também uma vítima (de situações e injustiças passadas na sua própria infância).

5. O pedófilo não deixa de ser pessoa apesar dos actos de que é acusado. E, como tal, tem direito ao bom nome enquanto não se provar o contrário. Como justificar que uma simples denúncia, às vezes sem o mínimo fundamento, é, por si só, capaz de destruir uma vida? E porquê fazê-lo apenas dezenas de anos depois na praça pública? Será apenas visando uma reparação de danos? E será ajustada a reparação pretendida quando se reduz apenas aos milhões de dólares reivindicados, a maior parte dos quais irá parar aos bolsos não dos ofendidos mas dos seus defensores?

6. Apesar de não partilhar a ideia de que se trata de um ataque cerrado à Igreja (a pedofilia é sempre um mal, seja quem for o seu autor e o sofrimento das vítimas é real e deve ser reparado) tenho receio das consequências para o futuro da sociedade e, nesta, dos mais pobres, que constituem a razão de ser da Igreja. De facto, num tempo em que caiu por terra a credibilidade das grandes instituições (Família, Estado, Escola...), atingir a credibilidade da Igreja («ferido o Pastor, dispersa-se o rebanho») não é objectivo recente para algumas forças sociais. E quem poderá dizer-se vencedor num campo em que tudo é cinza?

7. O mais perverso, porém, parece-me ser o pretender transformar o Pastor, que é o essencial da missão do Bispo, num fiscal ou capataz, permanentemente atento a qualquer falha de algum dos seus padres. Afectada a relação de confiança, que mais restará para um anúncio eficaz da Boa Nova? E, já que se espera da Igreja uma atitude mais elevada no tratamento do problema, pela mesma razão se esperará dela olhar para o pedófilo e a sua vítima com os olhos de ternura e mágoa, mas ao mesmo tempo de esperança, que caracterizaram o comportamento de Jesus perante os pecadores. E este olhar diferente para a pessoa é essencial no comportamento da Igreja.

8. Mais que humilhação da Igreja, ela que foi convidada pelo Papa a considerar o mistério de iniquidade em muitos dos seus membros que atraiçoaram a sua missão, esta problemática convida à humildade e à conversão na descoberta de novos caminhos para o testemunho da Boa Nova de que, hoje mais que nunca, o nosso mundo precisa.

9. Mas não só. Ela põe em causa tanto lavar de mãos como outrora Pilatos no sacrificar a verdade, tantas acusações e condenações sem julgamento (antes de os tribunais se pronunciarem, já se está condenado na opinião pública), tantos abusos por parte da comunicação social ávida de escândalos que fazem subir as vendas em flecha. E, mais ainda, que dizer de tanta hipocrisia social perante as redes de pornografia a gerarem negócios chorudos, legalizados democraticamente, e as «empresas» de im/exportação de «bailarinas» que se sabe serem destinadas a exploração sexual, sujeitas a uma clara escravatura, permitida ou tolerada, muitas vezes chefiada por altos e distintos senhores próximos das áreas do poder? Se tudo isto é «oferecido», que legitimidade existirá depois para se pedirem contas àqueles que, frágeis e sem auto-domínio (quem os tornou assim?!), caem nos desvios de que são acusados?

10. Na era da globalização, um único objectivo: encher a barriga. Pedofilia e outros sintomas de uma sociedade doente não estarão a repetir a ouvidos moucos que, afinal, o coração do homem tem outras necessidades? Valores... onde estão eles quando tudo se reduz a consumo? Eis a grande questão provocante para todos.

Uma última questão: se nem médicos, nem psicólogos, nem juristas, nem políticos têm explicação ou saber eficaz em relação à pedofilia, será justo exigir tal à Igreja?

A história é mestra da vida. Não poderão os cristãos ignorar que, ao longo dos séculos a Igreja passou por provas bem piores. E sempre o Espírito Santo, que a anima e conduz, deu razões para a Esperança.
P. Abílio Cardoso

Fonte Ecclesia

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