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Celebrações: o silêncio ruidoso da cruz
2002-03-30 16:58:55

As festas da Páscoa pediram ontem silêncio. Foi o dia da celebração da morte com um olhar na ressurreição.
Mas, este ano, o silêncio evocativo de uma cruz, que é redenção, manifestou-se envolto em ruídos.


O ruído do sangue que continua a penetrar o sepulcro de há 2000 anos. A Terra Santa é terra de dor. Em Jerusalém, bendita para as três grandes religiões monoteístas, já morreram mais de 1500 pessoas em 18 meses de intifada. Ali, onde os cristãos vêem a vida vencer a morte, lugar de nascença de nova Humanidade, o sepulcro continua vazio. Agora, vazio de expectativa. Porventura, cheio de esperança, como antes. Mas, fustigada pelo desespero.

Se Jerusalém, onde se ergueu o madeiro da cruz, não deixa ouvir o silêncio, também os ventos da iniquidade, instalados especialmente nos Estados Unidos, estão a perturbar o convite à confiança. A Igreja Católica está em doloroso trabalho de parto, com uma cruz que este ano, especialmente este ano, se tornou um pouco mais pesada.

São ruídos que perturbam. Mas o Vaticano mostra que tem um líder forte, presente em todas as celebrações, e, oficialmente, apresenta-o a presidir aos cansativos actos litúrgicos das festas pascais. Oficialmente é verdade. Mesmo que sejam os cardeais a executar os principais momentos eucarísticos, como a consagração do pão e do vinho, é o Papa quem preside, porque está presente. E é obrigação do jornalista escrever: "João Paulo II presidiu à celebração". Assim quer o Vaticano.

E isso é bom para a imagem. Trazer para a opinião pública os ecos de alguns prelados que questionam a vitaliciedade do cargo papal, é mais um ruído a agredir o silêncio da cruz. Silêncio a que a Igreja tem direito. Mas não pode iludir os barulhos. Eles existem. Não são inventados.

São, porventura, a cruz. Podem ser "a cruz de Cristo que, em cada momento, é apelo à conversão". E é também, para os cristãos, um desafio de amor, um convite à confiança. Afinal, tudo acaba na ressurreição.

Ontem, na liturgia da paixão celebrada na Sé de Lisboa, o patriarca lançou um repto: Se alguém hesita na resposta à interpelação da cruz, então que cruze o olhar com ela e lhe peça que seja sua medianeira.

Isto significa acreditar que o destino jogado na cruz mata os ruídos, sejam os de Jerusalém, dos Estados Unidos, ou a insegurança institucional. D. José Policarpo lembrou que aos pés da cruz recomeça uma nova possibilidade de fidelidade à aliança com Deus. Segundo as suas palavras, a cruz "permite-nos aceitar todo o sofrimento e fazer dele um dom, dando-lhe força redentora".

O seu "recado" foi, em síntese, um apelo à conversão, condição única para a tansformação e redenção do mundo. Participaram na celebração algumas centenas de pessoas. Umas, absorvendo cada gesto, cada palavra, numa atitude de fé que apelava ao respeito. Outros, os turistas, arrastavam ruído, perturbando a liturgia. A questão do turismo religioso parece estar mal resolvida. O que fazer para que os visitantes não interfiram no silêncio das celebrações?

O peditório de ontem reverteu para a manutenção dos lugares santos de Jerusalém. Desconhecemos se precisam de muito dinheiro. Mas sabemos que, se há 2000 anos o Santo Sepulcro estava vazio, devido à vida, hoje o vazio deve-se à morte.


Fonte DN

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