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Missa Crismal - Homilia de D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca.
2002-03-28 22:24:02

“Um Reino de Sacerdotes” - (Homilia da Missa Crismal) -28.03.02

1. Na tradição cristã, este dia de Quinta-Feira Santa é marcado por uma espiritualidade sacerdotal. Deve-se isso ao facto de ter sido na celebração da primeira Páscoa do tempo definitivo, que Jesus Cristo manifestou plenamente o seu múnus sacerdotal, que tinha apenas sido anunciado e prefigurado no sacerdócio do Antigo Testamento.


Na continuidade da História da Salvação, naquela Páscoa, tudo mudou. Um pequeno diálogo entre Jesus e os discípulos anuncia esta novidade radical. Eles perguntam a Jesus: onde queres celebrar este ano a Páscoa? Na sua resposta, Jesus não se limita a indicar o lugar, mas dá a entender a densidade de que essa Páscoa se reveste para Ele: “O Meu tempo está próximo” (cf. Jo. 26,17-18).
Tudo tinha sido anunciado, na longa preparação deste momento decisivo. Desde o sacrifício de Abraão que aceita oferecer o seu filho, que à última hora Deus substitui por um cordeiro (cf. Gen. 22,11-14) que ia sendo sugerido que o cordeiro pascal era apenas símbolo anunciador do sacrifício do Messias, Filho de Deus. Na Páscoa daquele ano, Deus fez a troca ao contrário: substitui o cordeiro pelo Filho, o autêntico e definitivo Cordeiro Pascal. E Jesus, ao responder aos discípulos, sabia dessa troca. Aquele momento desencadeia no Seu coração toda a radicalidade da Sua missão e da Sua obediência filial. Quando se sentam à mesa, diz-lhes: “desejei ardentemente comer esta Páscoa convosco antes de sofrer” (Lc. 22,14). São João exprime, por outras palavras, esta radicalidade de Jesus: “Agora a minha alma está perturbada. E que dizer? Pai, livra-Me desta hora? Mas se foi para isto que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o Teu nome” (Jo. 12,27-28).
É a primeira Páscoa em que se oferece o verdadeiro Cordeiro Pascal, para garantir para todo o sempre, a realidade da aliança entre Deus e o seu Povo. É uma aliança definitiva, não apenas por ser a última, mas por ficar decisivamente garantida a sua realização. O seu horizonte temporal é a eternidade. Isso supunha duas coisas: a vítima perfeita, o oferente capaz e um povo novo que pudesse, até ao fim, garantir uma fidelidade e intimidade de comunhão com o seu Deus e Senhor. A vítima imaculada e o sacerdote capaz estão garantidas em Jesus Cristo, sacerdote oferente e vítima oferecida. Mas aquela Páscoa não se podia esgotar na atitude sacrificial de Jesus Cristo, que inaugura, assim, o sacerdócio definitivo. Ela tinha de gerar um povo novo, o “novo povo de Deus”, capaz de ser fiel à Aliança, “nova e eterna Aliança”, e de perpetuar, em união com Cristo, a oferta do sacrifício de louvor. O sacerdócio de Jesus Cristo tem, como primeiro fruto da sua fecundidade, um povo sacerdotal. É por isso que o Senhor introduz na Sua oferta pascal a dimensão da Igreja como oferente do mesmo sacrifício, até ao fim: “fazei isto em Minha memória” (Lc. 22,19). Até ao fim dos tempos compete à Igreja, unida a Cristo e em nome de Cristo, oferecer o sacrifício da redenção, pois o Senhor “só voltará a comer a Páscoa quando ela se realizar plenamente no Reino dos Céus” (Lc. 22,16).

2. Os textos da Escritura que acabámos de escutar, acentuam esta qualidade sacerdotal de todo o Povo de Deus. O Profeta Isaías define, assim, o novo povo messiânico: “Vós sereis chamados sacerdotes do Senhor e tereis o nome de ministros do nosso Deus” (Is. 61,6). E o Apocalipse, referindo-se a Cristo glorioso, acrescenta: “Aquele que nos ama, que, pelo Seu Sangue, nos libertou do pecado e fez de nós um Reino de Sacerdotes para o Seu Deus e o Seu Pai” (Apc. 1,5-6). Ao referir Deus Pai como destinatário último da qualidade sacerdotal da Igreja, São João situa o sacerdócio do Povo de Deus como participação e actualização do sacerdócio de Cristo. Ser sacerdote é poder oferecer a Deus o sacrifício de louvor, oferecer e oferecer-se, tal como Cristo. O acto ministerial de oferta, a celebração litúrgica, ganha densidade na oblação da vida concreta daqueles que oferecem. Como diz o Concílio Vaticano II, “todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e no louvor de Deus, devem oferecer-se como vítimas vivas, santas, agradáveis a Deus e dando testemunho de Cristo” (cf. Lumen Gentium, n. 10).
A oferta sacerdotal do Povo de Deus é sempre participação na oferta do próprio Jesus Cristo, que exerce o Seu sacerdócio, como cabeça da Igreja, através dos ministros ordenados, o sacerdócio ministerial. É por isso que o Concílio afirma que estas duas expressões da qualidade sacerdotal do “novo Povo de Deus”, o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum a todos os fiéis, se ordenam um para o outro, não há expressão de um sem o outro. O sacerdócio ministerial, que torna sacramentalmente presente na Igreja, de modo particular na celebração eucarística, Cristo Sumo Sacerdote e Cabeça da Igreja, é essencial para que a Igreja toda possa exprimir a sua dimensão sacerdotal. Não há Igreja sem Eucaristia, não há Eucaristia sem sacerdócio ministerial.

3. À natureza teológica da compreensão do sacerdócio da Igreja e na Igreja, deve corresponder uma coerência pastoral. Seria tão grave ignorar a dimensão sacerdotal de todo o Povo de Deus, reduzindo a ideia de sacerdócio aos ministros ordenados, como supervalorizar o sacerdócio baptismal, comum a todos os fiéis, como se ele bastasse e a Igreja pudesse passar, ainda que em situação de limite, sem o sacerdócio ministerial. E num momento da sua história, em que assistimos à diminuição do número de sacerdotes, esta confusão poderia instalar-se. quando se insiste que os leigos poderão assumir as responsabilidades dos sacerdotes, ou se dilui uma pastoral das vocações, insistindo apenas na vocação baptismal, comum a todos os fiéis, podemos estar perante os primeiros sintomas dessa confusão.
Na nossa Diocese tem-se feito um aprofundamento sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja, e este é um desafio pastoral em que não podemos esmorecer. Eles são sujeitos da missão da Igreja e a eles se deve a vitalidade das nossas instituições de caridade, o esforço de comunicar a fé às crianças e aos jovens, a pastoral dos doentes e dos idosos e a presença do espírito do Evangelho no meio do mundo, nas estruturas e dinamismos da sociedade como um todo. E nós os sacerdotes devemos estimular e apoiar, segundo a graça própria do nosso ministério, esta riqueza e pluralidade apostólica de todos os cristãos. Quanto mais os fiéis leigos se comprometem na missão da Igreja, mais precisam dos sacerdotes. Nós encarnamos sacramentalmente, para eles, pelo dom do nosso ministério, a própria pessoa e missão de Jesus Cristo, quando lhes anunciamos a própria Palavra do Senhor, lhes perdoamos com o próprio amor misericordioso de Jesus, quando os amamos como Ele ama, quando reunimos nas nossas mãos toda a sua oferta de vida, e a tornamos Eucaristia.

4. Este carácter indispensável do ministério sacerdotal, convida-nos a um empenhamento decidido e decisivo na pastoral das vocações sacerdotais. O Santo Padre é acutilante a esse respeito: “Um generoso empenho certamente há-de ser posto – sobretudo através de uma oração insistente ao Senhor da messe (cf. Mt. 9,38) – na promoção das vocações ao sacerdócio e de especial consagração. Trata-se dum problema de grande importância para a vida da Igreja em todo o mundo. Mas, nalguns países de antiga evangelização, tal problema tornou-se dramático devido à alteração do contexto social e à aridez religiosa causada pelo consumismo e secularismo. É necessário e urgente estruturar uma vasta e capilar pastoral das vocações, que envolva as paróquias, os centros educativos, as famílias, suscitando uma reflexão mais atenta sobre os valores essenciais da vida, cuja síntese decisiva está na resposta que cada um é convidado a dar ao chamamento de Deus, especialmente quando este pede a total doação de si mesmo e das próprias forças à causa do Reino” (NMI, n. 46). E aí o nosso papel de sacerdotes é decisivo. Pelo testemunho da nossa vida, que torna atraente, embora exigente, este ministério; pela disponibilidade para acompanhar pessoalmente os jovens na sua caminhada de fé e de discernimento vocacional; pela coragem de interpelar e chamar, como o Senhor chamou; pelo cultivar em toda a comunidade cristã o interesse pelas vocações sacerdotais, sobretudo através da oração, do conhecimento e amor aos nossos seminários e aos actuais candidatos ao sacerdócio. Cada um deles deve merecer de todos um respeito sagrado pelo projecto que o próprio Senhor faz germinar no seu coração.
Na origem de uma vocação sacerdotal está sempre a pessoa de Jesus, que atrai e chama; mas normalmente essa atracção de Jesus Cristo encarna numa figura de sacerdote. Nesta Quinta Feira Santa, na alegria do nosso presbitério reunido, queria pedir-vos, queridos Padres, um empenhamento decidido nas vocações sacerdotais. É o nosso amor à Igreja que o exige, é o próprio Senhor que nos atraiu a nós, Quem no-lo pede. As vocações sacerdotais são um dom de Deus; mas nós podemos merecê-lo através da nossa fé, da nossa oração e dedicação apostólica.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca


Fonte Ecclesia

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