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Duas quedas plenas de alertas
2002-03-12 20:58:11

Concordo com Klaus Schwab ao escrever (Time, 4 Fev2002) que os dois maiores factos geradores de reflexão dos últimos tempos foram duas quedas: a do muro de Berlim (1989) e a queda das torres de Nova Iorque (2001).


Ambas têm feito reflectir, escrever e teorizar muito. A primeira veio confirmar o erro do autoritarismo, igualitarismo e da pretensão de distribuição mais justa dos bens quando se atrofia a iniciativa para os produzir.

Ficou patente que sem liberdade e iniciativa económica a sociedade justa e igual definha. A autoridade, a ordem, justiça, igualdade e preocupação do bem comum sem liberdade e iniciativa falham em atingir o bem comum.

Ao tempo da queda do Muro e do fim dessa ilusão já outra metade do mundo estava para além doutros extremos. O primeiro mundo prestava culto ao excesso de liberdade económica, à permissividade individualista de os mais ricos e fortes abusarem do seu poder sobre os mais pobres e miseráveis. Endeusava as desigualdades e deixava crescer as relações de injustiça e exploração. Deixa que uns tenham tudo, se apoderem de bens que devem ser distribuídos por dezenas, centenas de milhares, milhões doutros para haver alguma justiça e o bem comum seja defendido.

Milhões iam morrendo à míngua perante as torres impávidas da acumulação injusta de bens.

A falta de autoridade governativa e o seu funcionamento a favor dos egocêntricos que concentram 80% das riquezas mundiais e continuam ainda a explorar as 20% restantes.

A queda das torres de Nova Iorque para além da catástrofe deplorável foi um grito e um raio fulminante de alerta a confirmar os erros tremendos da falta de governos ao serviço do bem público da humanidade. Desigualdades gritantes, pobrezas, exclusões, opressões, injustiças nunca foram tão globais. O alerta do muro e das torres aí está.

As reflexões vão suceder-se, os branqueamentos de injustiças criticados, denunciados os abusos dos governos, que são capturados pelos poderes despóticos das corporações económicas e pelas multinacionais legalizadas e máfias ilegais; pelas corporações de funcionários (professores, profissionais da saúde), políticos e grupos religiosos. Vão capturando governos, fazendo cair ministros, impedindo deputados e tribunais de aplicar a justiça e de desconcentrar e distribuir as riquezas e pô-las a servir o bem comum.

Impera o liberalismo e individualismo económico e aumenta a riqueza só para alguns. As religiões ficam desarrumadas e multiplicam diálogos e encontros de procura da paz e justiça, os serviços de educação não param de ser criticados por as escolas já parecerem mais de crime que de educação, os serviços de saúde parece existirem para os interesses privados dos médicos, dos enfermeiros e dos laboratórios e farmácias defendidos encarniçadamente pelos seus lóbis. Nos discursos polémicos de alguns, os doentes não são vistos nem achados.

Os políticos e governos desdobram-se em praças de discussão clamando por globalização económica mais a favor dos donos do poder e dos compradores de governos que de política económica de rosto humanizado.

E muitos dos que se assumem como defensores dos pobres, espoliados, oprimidos respondem com outra praça cheia a clamar mais justiça e igualdade. Multiplicam-se os encontros de Assis, as propostas de taxa de Tobin, os abaixo-assinados a pedir o perdão das dívidas ao terceiro mundo e até os “Bonos” se empenham em campanhas de paz através da distribuição mais justa dos bens mundiais.

Uns fazem discursos sonantes do alto das Torres da liberdade económica para quem a tem; os outros do cerco dos Muros da justiça para todos mas sem nada para distribuir justamente. Ambos temem que novas quedas os possam surpreender e procuram preveni-las. Mas isso só será obtido com torres de orgulho menos altas e muros de autoritarismo menos sufocantes.

Aires Gameiro


Fonte Ecclesia

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