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A dimensão da confissão: absolvição individual e colectiva
2002-03-28 22:53:28

Todas as pessoas sentem necessidade de procurar uma libertação de tudo aquilo que constitui um peso na consciência, ou seja, alguma coisa que não esteve de acordo com a verdade que trazem esculpida no seu íntimo.


Conhecendo inteiramente a psicologia humana e as suas carências, Jesus Cristo, na mesma tarde da Ressurreição, instituiu um Sacramento libertador: o da Reconciliação e Penitência. Com efeito, aparecendo aos Apóstolos no Cenáculo, soprou sobre eles -, gesto sempre associado à comunicação do Espírito -, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo, àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (S. João 20, 22 e ss).
Estamos perante um caminho sem alternativas para recuperar a graça santificante perdida pelo pecado mortal. Não faria sentido que o Mestre entregasse com tanta solenidade à Igreja - ali presente nas suas colunas - um poder sem conteúdo, que para nada serviria, na prática, se houvesse outros modos ordinários de alcançar o perdão das faltas graves.
Por isso, a Igreja interpretou sempre estas palavras como as institucionais deste Sacramento.
No seu ritual de administração, ao longo dos séculos, houve modificações acidentais, como aconteceu com outros sacramentos, mas o núcleo essencial permaneceu intacto.
Esta verdade foi aceite pacificamente na Igreja, desde o seu nascimento, sem qualquer contestação generalizada, até ao dia em que foi agitada pela tempestade da Pseudo-Reforma. Estamos já nos primeiros anos do século XVI.
Depois de um estudo profundo, a Igreja definiu no Concílio de Trento, como verdade de fé irreformável, que o meio ordinário para obter o perdão dos pecados graves cometidos depois do Baptismo e ainda não devidamente confessados é a confissão íntegra e contrita de todos os pecados graves cometidos.
Com esta riqueza, nunca suficientemente agradecida, Jesus Cristo quis associar à recepção deste Sacramento, além do perdão dos pecados, outras graças: a graça sacramental que nos robustece para as lutas de cada dia; uma crescente delicadeza de consciência e finura no trato com Deus; a humildade; e até a oportunidade de um conselho amigo.

Absolvições gerais sem confissão prévia

Acontece, porém, que muitas vezes escasseia tempo suficiente para dar a absolvição individual, depois da acusação dos pecados.
Desde os primeiros passos da sua vida terrena, a Igreja sentiu a necessidade de dar a absolvição simultânea a diversos penitentes, sem a acusação prévia dos pecados. Pensemos, por exemplo, na situação criada pela iminência dum naufrágio, no princípio duma batalha, etc. Ao mesmo tempo, defendia a necessidade da confissão íntegra e absolvição individual, quando era possível fazê-lo.
Depois da solene intervenção do Concílio de Trento, Inocêncio XI, em 1679, desautorizou uma afirmação que começava a ganhar terreno, segundo a qual o sacerdote podia absolver o penitente que confessasse só alguns dos seus pecados, por causa da aglomeração dos penitentes.
Foi, porém, com a invenção de transportes rápidos, por terra, ar e mar, que o problema se pôs com maior acuidade. Assim, sobretudo a partir da primeira guerra mundial, era fácil que multidões de soldados se encontrassem inesperadamente em situação de batalha, ou cidades inteiras ameaçadas por bombardeamentos. E assim, a doutrina de sempre vai sendo aplicada às situações diversas que vão surgindo.
Quando estava prestes a terminar a segunda guerra mundial, Pio XII, receando que a doutrina aplicada no decurso deste conflito fosse usada abusivamente, publicou uma Instrução em 25 de Março de 1944. Esta foi praticamente reproduzida nas Normas Pastorais da Congregação para a Doutrina da Fé, com a data de 16 de Junho de 1972.
Foi a Doutrina destas Normas, com pequenas alterações de texto, que apareceu no Código de Direito Canónico de 1983. Referem-se às absolvições colectivas os cânones 961-963.
O cânone 961 estabelece o seguinte: «A absolvição simultânea a vários penitentes sem confissão individual prévia não pode dar-se de modo geral, a não ser que: 1º. esteja iminente o perigo de morte, e não haja tempo para um ou mais sacerdotes poderem ouvir a confissão de cada um dos penitentes;
2º haja necessidade grave, isto é, quando, dado o número de penitentes, não houver sacerdotes suficientes para, dentro de tempo razoável, ouvirem devidamente as confissões de cada um, de tal modo que os penitentes, sem culpa própria, fossem obrigados a permanecer durante muito tempo privados da graça sacramental e da sagrada comunhão; não se considera existir necessidade suficiente quando não possam estar presentes confessores bastantes, somente por motivo de grande afluência de penitentes, como pode suceder nalguma grande festividade ou peregrinação.
§ 2. Emitir juízo acerca da existência das condições requeridas no § 1, n º 2, compete ao Bispo diocesano, o qual, atendendo aos critérios fixados por acordo com os restantes membros da Conferência episcopal, pode determinar os casos em que se verifique tal necessidade».
Estabelece-se ainda que os fiéis devem estar devidamente preparados e que não podem, em regra, aproximar-se a receber nova absolvição colectiva, sem antes terem recebido a absolvição individual; e que a absolvição geral antes recebida não dispensa da acusação e absolvição, em confissão individual, de todos os pecados graves cometidos depois do Baptismo e ainda não devidamente confessados.
Em suma: os pecados ficam perdoados, se a absolvição geral foi recebida com as necessárias disposições: contrição, propósito de emenda e satisfação de obra.
O fiel, porém, sai dali com duas obrigações: procurar quanto antes a confissão individual, para acusação dos pecados que não pôde confessar e recepção da absolvição individual; e proibição - a não ser em caso de necessidade grave - de aceder a uma nova absolvição geral sem previamente ter procurado a absolvição individual.
Há pouco tempo ainda, a Conferência Episcopal Portuguesa pronunciou-se sobre este assunto, nos seguintes termos: «A Conferência Episcopal Portuguesa julga não existirem nas Dioceses de Portugal situações habituais previsíveis em que se verifiquem os elementos referidos no Código de Direito Canónico como originando a “necessidade grave” para a absolvição geral sem confissão prévia.
Na eventualidade de surgirem situações excepcionais, o Bispo Diocesano providenciará para que tanto os presbíteros corno os fiéis procedam correctamente”.
De igual, esclareçam-se as comunidades cristãs sobre o sentido deste procedimento excepcional e a doutrina da Igreja sobre o sacramento da Penitência e sua celebração.» (Instrução Pastoral da CEP de 28-II-2001)

Absolvição colectiva sucedâneo da individual?

Pelo que fica dito muito resumidamente, não se trata, pois, de a pouco e pouco ir modificando a forma de administração deste Sacramento, de tal modo que a meta previsível fosse que a absolvição colectiva acabasse por substituir definitivamente a absolvição individual. Trata-se, isso sim, de casos pontuais a que se deve dar uma resposta pontual.
De facto, numa época em que se sublinha com tanto ênfase a atenção personalizada, não é justo privar arbitrariamente os fiéis, - contra a vontade do Divino Fundador da Igreja - deste direito à confissão individual.
Parte da solução do problema da falta de tempo talvez esteja em o sacerdote dedicar mais tempo ao ministério deste Sacramento, renunciando com desprendimento às tarefas que não exigem necessariamente um sacerdote; em preparar melhor os fiéis para este sacramento, para que o recebam com fruto e demorem só o tempo necessário; em dignificar este Sacramento, administrando-o em lugares bem preparados. Cada pessoa merece-nos toda a atenção e tem de ser ajudada individualmente, sem massificação, sobretudo numa área tão delicada como é a do foro da consciência.
Foi esta dedicação sacerdotal que levou santos que estão nos altares - Santo Cura D’Ars, S. João Bosco, Beato Josemaria Escrivá, S. João da Cruz e tantos outros - a tratar cada pessoa como uma jóia preciosa que é preciso burilar com alma de artista.

Pe. Fernando Sousa e Silva
Professor da UCP - em Braga
Juiz do Tribunal Eclesiástico de Braga


Fonte Ecclesia

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