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Carta aos partidos políticos concorrentes às eleições legislativas
2002-03-13 20:06:57

ALGUNS PROBLEMAS PRIORITÁRIOS E PROPOSTAS
1. A Cáritas Portuguesa, que actua no domínio social em todo o país, há cerca de 50 anos, aproveita a fase preparatória do próximo acto eleitoral para submeter aos Partidos concorrentes algumas preocupações e propostas. Limitamo-nos apenas a algumas, em número bastante escasso, para evitar a dispersão.


2. Antes de mais, há que registar, com todo o apreço, o progresso verificado, nas últimas décadas, em termos de política social e, particularmente, na esfera da acção social( em que actua a Cáritas). Mercê da iniciativa dos órgãos de soberania e de instituições e grupos de acção social, ocorreram avanços de enorme relevância, que importa manter, actualizar, desenvolver e, nalguns casos, ajustar ou corrigir.

A par disso, persistiram também lacunas preocupantes e actuações pouco defensáveis.

LACUNAS PREOCUPANTES

Entre as lacunas sobressaem uma espécie de ocultação sistemática de alguns problemas sociais e a exclusão institucional a que são votadas as situações de pobreza e de exclusão extremas.

3. Relativamente à ocultação, lembramos que, já em 1997, a Conferência Episcopal Portuguesa tinha chamado a atenção para este problema (“Instrução Pastoral sobre a Acção Social da Igreja”, n.º. 3), referindo, a título exemplificativo, “os casos de crianças abandonadas, de famílias monoparentais, de famílias de reclusos e de toxicodependentes, da violência na família, dos sem-abrigo (...), das pessoas deficientes (...), da grande dependência (...)”.
As expressões, porventura, mais gritantes de “ocultação” encontram-se na falta de tratamento dos dados do atendimento social – público e particular – e na ausência de consciência social colectiva, baseada não só em dados abstractos mas nas realidades vivas com que nos defrontamos e para as quais escasseiam soluções satisfatórias. A ocultação tanto se observa no Estado e na esfera nacional como nas instituições e grupos de solidariedade e na esfera local.

4. No que se refere à exclusão institucional justifica-se referir os mesmos grupos citados, a título exemplificativos, pela Conferência Episcopal (n.º. 3 supra ) e, ainda, as situações de carência extrema de recursos financeiros, de habitação e de saúde.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe que não faltam medidas nem actuações sociais diversas, a favor dos grupos acabados de referir. Mas sabe também quão elevado é o número de casos sem solução satisfatória.

ACTUAÇÕES POUCO DEFENSÁVEIS

No elenco de actuações pouco defensáveis, salientamos a menor consideração pelos princípios da universalidade e da equidade; a transferência, para a família, de responsabilidades que ultrapassam as suas possibilidades; e o menosprezo do trabalho voluntário.

5. A menor consideração pelos princípios da universalidade e da equidade observa-se no facto de não serem tratadas de igual modo todas as pessoas que se encontram nas mesmas situações. Por exemplo, os serviços e equipamentos sociais particulares vêm sendo criados em função da capacidade dos promotores que surgem nas diferentes localidades, originando assimetrias e injustiças assinaláveis.

A iniciativa “Carta Social” destinava-se, além do mais, a corrigir a situação. No entanto, para que isso aconteça, torna-se imperioso não só proceder ao levantamento dos equipamentos e serviços existentes mas também efectuar o levantamento de necessidades e programar a cobertura adequada.

A insuficiente cobertura, verificada por enquanto, é especialmente preocupante no caso das pessoas portadoras de deficiência física, motora e mental bem como relativamente aos doentes mentais. À insuficiente cobertura acresce agravante de, na maioria dos casos, não existirem garantias de enquadramento adequado, para aquelas pessoas, após a morte dos pais ou outros encarregados de educação.

6. A transferência, para a família, de responsabilidades que ultrapassam as suas possibilidades regista-se particularmente em relação aos chamados “grandes dependentes” (por motivo de deficiência profunda, doença grave, acidente ou idade muito avançada). Nalguns hospitais, é frequente o “jogo de reenvios”, quase macabro, entre os respectivos serviços, que procuram “libertar-se” de “grandes dependentes”, e as famílias dos mesmos impossibilitadas, em muitos casos, de os manter condignamente nos seus domicílios.

O Estado continua a tratar a família, em relação a esta e outras situações-limite, como se ela mantivesse as suas características ancestrais, e como se não existissem exigências psicológicas e técnico-científicas relativamente a essas mesmas situações. Porém, ao contrário disso, em elevada percentagem de famílias as pessoas acham-se tão ocupadas profissionalmente – e noutras actividades – que não dispõem de tempo suficiente para cuidarem 24 horas por dia, dos “grandes dependentes”.

Mesmo nos casos em que essa disponibilidade parece existir, subsiste o problema das exigências dos cuidados a prestar, para os quais muitas pessoas não se encontram preparadas nem psicologicamente nem técnico-cientificamente.

A violência institucional do Estado e outras entidades, sobre a família, exerce-se mais cruelmente quando esta é pobre e quando o/a prestador/a de cuidados é pessoa idosa que, não raro, também já precisa de apoio.

Nos últimos tempos – tal como ciclicamente no passado – proclama-se o “apoio domiciliário” – sobretudo o “apoio domiciliário integrado” como solução recomendável para os “grandes dependentes”. Porém, esta orientação que, em muitos casos se configura, felizmente, adequada, não é, de maneira nenhuma aplicável a todos os casos pelas razões atrás referidas e, ainda, porque o chamado “apoio domiciliário integrado” está muito longe de cobrir todo o território nacional (com prejuízo dos aludidos princípios da universalidade e da equidade) e porque a sua concretização depende, em larga medida, de entendimentos – nem sempre estáveis – entre os organismos envolvidos.

Chega a parecer verdadeiro cinismo (embora involuntário por certo) o facto de se recomendar para os “grandes dependentes” o serviço de “apoio domiciliário” quando, para os idosos não dependentes, se vêm construindo lares, sistematicamente, há algumas décadas. Assim, as situações menos graves beneficiam de enquadramento institucional enquanto as mais graves ficam, predominantemente, na esfera familiar.

7. O menosprezo do trabalho voluntário – sobretudo o dos grupos locais de acção social – é uma constante já muito antiga. Tradicionalmente critica-se nesse trabalho, o seu carácter assistencial, e mesmo assistencialista, enquanto, ao mesmo tempo, não se promove a sua articulação estruturante com serviços e equipamentos sociais, públicos e privados.
Se porventura, esta articulação se encontrasse devidamente instituída, haveria a enorme vantagem de os diferentes problemas serem assumidos localmente, pela vizinhança e respectivo voluntariado local. Além disso, haveria o necessário acesso aos serviços e equipamentos sociais, públicos e particulares, visando a optimização da utilização de recursos e, naturalmente, a adopção das novas medidas necessárias.

PROPOSTAS

8. Face ao exposto, afiguram-se-nos prioritárias as seguintes propostas, que gostaríamos de ver consideradas – ao menos como base de reflexão – pelos diferentes Partidos:

8.1 – Levantamento sistemático e tratamento estatístico dos dados do atendimento social, tendo em vista:
- a identificação dos problemas de maior gravidade, sem solução;
- a promoção da consciência social colectiva, e da corresponsabilidade, a partir do plano local;
- o empenhamento na procura de soluções, com prioridade para os casos mais graves;

8.2 – Adopção de medidas consistentes e verdadeiramente universais,
destinadas: a crianças órfãs, maltratadas ou abandonadas; famílias monoparentais; famílias de reclusos e de toxicodependentes; vítimas de violência familiar; sem-abrigo; pessoas portadoras de deficiência; “grandes dependentes”; e situações afins ...

8.3 – Aplicação efectiva dos princípios da universalidade e da equidade, na acção social,
- confrontando as “respostas” com os problemas
- programando “coberturas” universais e equitativas, ainda que, para tanto, seja necessário baixar os montantes dos apoios financeiros “per capita”. Impõe-se que o “Estado-mecenas”, que actua com base em programas, projectos e candidaturas, dê lugar ao Estado verdadeiramente democrático e social;

8.4 – Clarificação e assunção de corresponsabilidade estatal e familiar.
Embora seja defensável a responsabilidade primeira da família em relação aos seus membros, não se pode continuar a basear o equilíbrio social no heroísmo familiar; por isso, as situações de “grande dependência” e outras situações-limite exigem a proliferação de pequenas unidades de apoio, pertencentes a IPSS ou a outras entidades e localizadas tão próximo das famílias quanto possível; assim, estas poderão continuar a assumir a sua responsabilidade, mas num quadro de intervenção subsidiária, co-responsável, de outras entidades;

8.5 – Reconhecimento e promoção do voluntariado, como dinamismo
estruturante na prevenção e solução dos problemas sociais. Tal reconhecimento e promoção implica a aceitação do voluntariado local – inclusive na sua vertente de “acção social sem dinheiro” – participando activamente numa tríplice proximidade:
- entre os grupos de voluntariado local e as pessoas carentes de apoio;
- entre os grupos de voluntariado local e os serviços e equipamentos sociais;
- entre os grupos de voluntariado local e aqueles serviços e organismos, por um lado, e por outro, os centros de decisão política.

Esta cadeia de proximidade solidária asseguraria a ligação entre as situações de carência, incluindo as mais remotas, os meios de solução e as próprias decisões políticas necessárias.
A Cáritas Portuguesa

Fonte Ecclesia

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