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Padre Jesuíta Português Teve "Sentença de Morte" em Angola
2002-02-01 18:30:51

O padre João Caniço, 60 anos, jesuíta português que desde 1998 estava a trabalhar em Luanda, terá sido ameaçado de morte, com a sentença assinada pelo ministro do Interior angolano, Fernando Dias dos Santos, "Nandó", que acabaria por revogá-la após intercessão do arcebispo de Luanda, D. Damião Franclim.

A notícia corre há uma semana através de mensagens de correio electrónico, enviadas pelo próprio padre a algumas pessoas e depois reenviada a muitos outros endereços. Ontem mesmo, sectores da oposição armada da UNITA já fizeram chegar um resumo da mensagem, à mistura com considerações partidárias, a vários meios de comunicação.

De acordo com o relato, feito na primeira pessoa, entre 18 de Dezembro último, quando foi avisado pela primeira vez de que havia alguém a querer-lhe "fazer mal", até ao passado dia 24 de Janeiro, quando tomou um avião para Lisboa, via Paris, João Caniço teve a pender sobre si "um plano para os Serviços Secretos" angolanos o "matarem".

Tudo terá começado quando "um jovem" da confiança do jesuíta o avisou, a 18 de Dezembro, de que "um grupo de jovens estivera, essa noite, numa reunião da paróquia a combinar um plano para [lhe] fazer mal". Em causa, estaria o desagrado que esse grupo consideraria o "ódio que o padre tinha aos jovens jesuítas angolanos". Por detrás disto, estava a saída, entre Abril de 2000 e Dezembro de 2001 - por vontade própria ou na sequência de diálogo com responsáveis da Companhia de Jesus - de quatro ou cinco jovens jesuítas, ainda não ordenados padres, mas que já tinham feito os votos religiosos. Sendo que os jesuítas em Angola fazem parte da província portuguesa.

No dia 24 de Dezembro, véspera de Natal, no fim da Missa do Galo, o mesmo informador diz que o grupo já teria desistido da ideia, mas que outras pessoas se encarregariam do facto. "Que eu redobrasse de cuidados", terá aconselhado o jovem ao padre Caniço.

O jesuíta achava, no entanto, tudo aquilo "tão injusto e tão longe da [sua] actuação" que não se assustou. A trabalhar na paróquia de São Francisco Xavier, na Universidade Católica, na Rádio Ecclesia e em outras tarefas, sentia-se "bem na cidade de Luanda". "Somente rezava todos os dias a Deus para que velasse por mim. Nem sequer me preocupei por falar disto a alguém em casa", conta ele na mensagem electrónica.

No dia 17 de Janeiro - fez ontem duas semanas -, João Caniço chega de um retiro no Namibe e um colega dele desabafa: "Estou muito incomodado, porque alguém do tal 'grupo de leigos' teve a coragem de telefonar a alguém da minha família a preveni-la de que a próxima vítima do padre João Caniço iria ser eu." E acrescentou que isto "ultrapassava os limites e que era altura de se fazer algo para desmascarar essas pessoas". Caniço decide "esperar e reflectir no assunto com os meus conselheiros".

No dia 22, o mesmo padre "X" volta a falar com João Caniço. "Diz-me que, nessa manhã, se encontrou com um amigo - pessoa importante no Sinfo (polícia secreta) - que lhe mostrou, numa folha A4, um desenho muito perfeito da nossa casa, com o meu nome por baixo, e lhe diz que eu iria ser abatido, por 'motivos políticos'. Que existia um plano para os Serviços Secretos me matarem, e que só faltava a 'luz verde' dos seus Superiores para esse plano ser executado. Que ele se afastasse de mim e que nunca saísse à rua comigo, daqui para a frente. E que não revelasse isto a ninguém. Se o plano falhasse, ele é que pagaria por isso."

Às 14h30, ainda de acordo com o relato feito pelo próprio, João Caniço aproveita o carro de um amigo que o visita e vai à Nunciatura, a representação diplomática do Vaticano, sem dar conta do facto a ninguém em casa. "Aí, depois de contar tudo a mons. Alexandre, encarregado de negócios na ausência do núncio, avisei o padre provincial do que se estava a passar, através do telefone secreto da Nunciatura." O provincial, padre Amadeu Pinto, diz que irá comunicar à Cúria dos jesuítas em Roma. "Dez minutos depois, manda-me que ponha o arcebispo de Luanda ao corrente e que procure regressar a Portugal o mais cedo possível."

O padre vai, às 17h00, falar com D. Damião Franclim. Este lamenta e promete ir falar com o comandante Nandó, ministro do Interior. A seguir, João Caniço dirige-se à Embaixada de Portugal, cujo ministro-conselheiro, "na ausência do embaixador", o aconselha a "dormir já na Embaixada e a sair rapidamente do país." O jesuíta decide regressar a casa, acompanhado do amigo que o levara.

"Falo com o X, que entretanto, se encontrara de novo com o seu amigo dos Serviços Secretos. Este comunicara-lhe que já há 'luz verde' para actuar e que a coisa está para breve. Avisei logo o provincial, pelas 20h. Ele insiste em que se não deve arriscar nada e que se deve fazer tudo por salvar as vidas dos dois jesuítas e de todos. E ordena-me mesmo que, pelo menos eu, vá dormir já à Embaixada."

O padre prepara "uma pequena mala" e comunica o que se passa aos colegas, que ficam "atónitos e silenciosos". Dirige-se à embaixada e, ao despedir-se do mesmo amigo que o conduz, desata "num pranto irreprimível como há muito não tinha tido". Nessa noite, ainda conversa durante muito tempo com vários funcionários da representação diplomática portuguesa e, quando se deita, não consegue dormir "um sono inteiro".

Já no dia seguinte, o consulado português trata do bilhete para Lisboa, via Paris, para essa mesma noite. João Caniço almoça com conselheiro, que já fizera parte de um grupo católico ligado aos jesuítas, no Porto. À tarde, o colega "X" vem ao seu encontro e diz-lhe que o plano tinha sido suspenso e que João Caniço poderia viver pelo menos 15 dias em casa "sem dar nas vistas, e que tudo ficaria por ali". E revela-lhe o plano que teria sido preparado, sempre de acordo com a narrativa do padre Caniço: no dia 24, uma pessoa iria falar com ele e, "à saída, quatro homens armados" apanha-lo-íam, levando-o para "as matas da cidade, onde seria executado".

Minutos depois, o arcebispo de Luanda vem despedir-se de João Caniço à embaixada, contando as diligências junto do ministro. "Relatou então que fora, na véspera, falar com o ministro Nandó, que lhe confirmou que tinha assinado de facto a licença para os Serviços Secretos me matarem. Que o arcebispo lhe fez ver: a falta de motivos para este procedimento, pois me conhecia desde que cheguei a Angola e nunca vira no meu comportamento ou no meu modo de ser nada que permitisse ser acusado de actuação política ou de qualquer outra coisa. Antes pelo contrário, sabia que eu era muito apreciado pela maioria das pessoas; a gravidade da morte de um missionário jesuíta, cuja ordem daria conhecimento desse acto em todo o mundo - o que redundaria numa imagem muito negativa para o Governo de Angola; que não era este o modo de agir de um 'estado de direito' e que o Governo ficaria, assim, sem argumentos para continuar a acusar Savimbi."

João Caniço conta ainda que o ministro lhe dissera que iria pedir o processo e que, depois, "lhe comunicara que tinha visto o processo e que tinha mandado já suspender o plano". E que "mostrara desejo de falar" com o padre português. D. Damião lamentou a saída, elogiando a colaboração de Caniço.

Nesse mesmo dia, o jesuíta português janta na embaixada e, depois do jantar, escoltado por agentes do Grupo de Operações Especiais e por dois funcionários superiores da embaixada segue para o aeroporto. "Só se separaram de mim quando pus os pés dentro do avião. Cheguei a Paris de manhã e tomei um avião da Air France, tendo chegado a Lisboa no dia 24, às 13 horas."

Fonte Público

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