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Homilia de D. José Policarpo
2002-01-22 21:43:34

Homilia proferida por Sua Eminência o Cardeal Patriarca
na Solenidade de São Vicente, Padroeiro Principal do Patriarcado Sé Patriarcal, 22 de Janeiro de 2002


1. Celebramos hoje a festa do Mártir São Vicente, Padroeiro da Diocese e da Cidade de Lisboa. É, para todos nós, ocasião de invocarmos a bênção e a protecção de Deus, para a nossa Cidade, por intercessão de São Vicente.
A esta celebração associam-se, habitualmente, os Autarcas de Lisboa. Quero, neste momento, saudar Vossa Excelência, Senhor Presidente da Câmara, que pela primeira vez celebra São Vicente na sua qualidade de primeiro responsável pelo progresso, harmonia e bem estar da Cidade. São Vicente acompanhá-lo-á, dando-lhe força para não desistir das causas em que acredita, discernimento para tomar as decisões justas e escolher os caminhos e meios mais ajustados ao fim que todos desejamos: fazer de Lisboa uma Cidade harmoniosa, recuperada na sua beleza, ordenada na vida fervilhante que a atravessa, solidária para com os mais desfavorecidos, atenta na prevenção das ameaças que pesam hoje sobre todas as populações urbanas, fiel à sua tradição e digna da sua história, ousada no conceber um futuro onde os seus habitantes se sintam bem. Em todas as mudanças democráticas, sois chamados à coragem: para continuar a obra começada, e tantas são em Lisboa, pois uma Cidade é também continuidade; para alterar o que for necessário, se a justiça o exigir e o são ordenamento da Cidade o aconselhar.
Uma Cidade é obra de todos. Pode Vossa Excelência contar com a colaboração da Igreja de Lisboa, sempre que ela for sugerida ou aconselhada, experiência que também tiveram os seus antecessores, pois a Igreja respeita e colabora com o poder democraticamente legitimado. Permito-me dizer-lhe que também conto com a sua colaboração na solução dos problemas que se vão apresentando à presença da Igreja na Cidade.

2. Celebramos a festa de um Santo Mártir, o que me sugere fazer algumas considerações a propósito do martírio cristão. Os recentes acontecimentos mundiais puseram em relevo, na comunicação social, uma certa visão muçulmana do martírio, chamando “mártires” aos suicidas voluntários, que sacrificam a vida por uma causa, fazendo da sua morte por imolação, apenas mais um momento da violência de todo um processo. E já ouvi um responsável político de um país estrangeiro, com quem tive ocasião de me encontrar, talvez num esforço de compreensão do fenómeno, a compará-lo ao martírio cristão. Ora essa comparação é completamente desajustada. Também os cristãos podem pôr generosamente em risco a própria vida, e tantos o fazem continuamente na missão que exercem na Cidade, por uma causa nobre de serviço dos irmãos. São generosos, abnegados, mas não mártires. E mesmo nesses, o dom da vida é um gesto de paz e de amor e nunca um elo de uma cadeia de violência.
O mártir não é um suicida, não escolheu morrer, impuseram-lhe injustamente a morte. O mártir é um perseguido, supõe sempre um perseguidor, daqueles que o Senhor anuncia no Evangelho. E os perseguidores não são apenas inimigos do homem, são inimigos de Deus. Perseguem as pessoas na sua qualidade de seguidores de Jesus Cristo e do seu Evangelho. O martírio é um testemunho de fidelidade a Jesus Cristo, é uma profissão de fé, com o risco da própria vida, que se aceita perder em nome de um valor maior: a fidelidade.
O martírio supõe uma força especial de Deus. Só são dignos dele os que se abandonaram confiadamente nas mãos de Deus, os que perceberam que a fidelidade abrange a vida e a morte, os que acreditam na fecundidade da morte suportada e da vida oferecida. O martírio é o culminar de uma vida, curta ou longa, de fidelidade a Jesus Cristo e de identificação com Ele, que foi o primeiro Mártir a quem impuseram a morte e que, nessa violência, ofereceu a vida. O martírio é o triunfo da liberdade sobre a violência, a vitória de quem, sendo perseguido, não se deixa vencer e encontra o caminho da sua vitória na oferta da vida e no perdão dos perseguidores.

3. Não peçamos a Deus para imitar São Vicente no martírio. Mas imitemo-lo na fidelidade a Cristo, na capacidade de fazer da vida um dom, na liberdade para reagir às adversidades com generosidade superior, na coragem para fazer de toda a nossa vida um testemunho. E peçamos-lhe, confiadamente, a sua protecção para a nossa Diocese e para a nossa Cidade.


† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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