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Celebração Eucarística pela Paz
2001-12-14 22:41:03

Homilia proferida por D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca.


1. Estamos reunidos, em comunhão com o Santo Padre, com a Igreja Universal, para rezarmos pela Paz. Sabemos que à nossa oração se associam outros cristãos, judeus e muçulmanos. Para estes o último dia do ramadão é a festa da reconciliação com Deus, através do jejum e da oração. A escolha deste dia, aliada à iniciativa anunciada para 24 de Janeiro, em Assis, mostra que o Papa não hesita em convidar os cristãos católicos a unirem a sua oração à de outros crentes de outras religiões. Nas religiões, as tradições e culturas diversificadas podem separar-nos; mas o Deus verdadeiro, procurado na firmeza da fé, para ser adorado em verdade, pode unir-nos, aliás só Ele nos pode unir neste anseio de paz, clamor que, desde os mais remotos tempos da humanidade, se eleva a partir do mais profundo das consciências. Na consciência colectiva da humanidade formou-se esta convicção: a guerra e qualquer forma de violência são um mal, a mais dramática expressão da fragilidade de uma humanidade pecadora; a paz é um bem sublime, contexto para se alcançarem outros bens que constituem a harmonia e a felicidade.
É justo perguntarmo-nos, neste contexto, que relação existe entre a oração e a construção da paz. Não é esta, fundamentalmente, obra dos homens, na sua luta pela justiça e na coragem de renunciar à violência como caminho de solução para as dificuldades da convivência? A importância da oração para a construção da paz, reconduz-nos à questão da relação de Deus com a paz, ou seja, da relação de Deus com a história e com a vida concreta dos homens. A leitura de Isaías que escutámos é clara a esse respeito: “Eis o que diz o Senhor, o teu redentor: se tivesses atendido às minhas ordens, a tua paz seria como um rio e a tua justiça como as ondas do mar”.
A Palavra de Deus inspira e fortalece o coração dos homens para a construção da paz. A intervenção de Deus é decisiva para a paz, porque é decisiva para a construção da rectidão do coração, e essa intervenção de Deus na nossa história não desresponsabiliza o homem na construção da justiça e da paz, nem lhe retira o mérito de a construção da paz ser fruto da sua rectidão e da sua generosidade.
A esta luz, ressalta o drama da desobediência à Palavra de Deus, o drama do pecado, como causa da violência e da guerra. E nesse sentido, a nossa oração é um acto de penitência, de quem pede perdão pelos pecados dos causadores da violência e invoca o dom da conversão. Se todos os homens escutassem e seguissem a Palavra de Deus, a paz seria possível; tal como um rio, seria um dinamismo positivo da história, que aproximaria progressivamente a humanidade da desejada harmonia definitiva.
É neste contexto que se coloca a importância da religião na construção da paz, porque a fé religiosa nasce da escuta da Palavra de Deus e desafia os crentes a uma escuta cada vez mais sincera e totalizante. No nosso caso concreto de cristãos, a palavra do Evangelho de Jesus é uma interpelação contínua ao amor fraterno, às exigências da justiça, à renúncia ao ódio e à vingança, um convite à partilha e ao respeito sagrado pela dignidade de cada pessoa.
Temos de reconhecer que, também no âmbito das religiões, se pecou tantas vezes contra a paz. Sempre que se defendeu a fé pela violência, ou se tenta impor perspectivas religiosas através da guerra, as religiões são infiéis à sua verdade mais profunda. Este é um aspecto chocante da actual crise internacional: nunca um conflito apareceu tão explicitamente ligado a visões religiosas e por isso ressalta na consciência colectiva da humanidade este grito: a religião, nenhuma verdadeira religião, pode jamais ser causa e justificação para a violência.
Estamos perante o drama da imperfeição da humanidade, ainda marcada pelo pecado. O caminho da paz tem de ser um caminho de redenção, de chamamento de fidelidade à verdade religiosa em que acreditamos, de coragem para não misturar a pureza da Palavra de Deus, com interesses inconfessados ou radicalismos etnico-culturais.

2. Esta oração pela paz brota de uma consciência aflita com os horrores da violência no nosso mundo, nos dias que passam: a ameaça irracional do terrorismo, o drama de populações deslocadas, reduzidas à pobreza e à dependência total, o conflito na Palestina, na mesma cidade onde Jesus pregou o Evangelho da Paz.
O drama do sofrimento humano, estampado no rosto de crianças assustadas, é um grito a exigir a nossa solidariedade fraterna. Assumamos que este sofrimento colectivo é fruto do pecado do mundo, fruto da recusa em ouvir a Palavra de Deus.
O lamento de Jesus sobre Jerusalém, a sua cidade, ganha, no contexto actual da Terra Santa, um realismo impressionante: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes eu quis ajuntar os teus filhos, mas não quiseste!” O que se passa na Palestina interpela, de modo particular, o nosso coração de cristãos. É a cidade de Jesus, que se tornou símbolo da definitiva cidade da Paz. Tendo como pano de fundo o actual conflito, o último Sínodo dos Bispos terminou a sua mensagem à humanidade com um apelo a Jerusalém:

“Finalmente nós nos voltamos para ti, Jerusalém, cidade onde Deus se manifestou na história. Rezamos pela tua felicidade. Possam todos os filhos de Abraão reencontrar-se de novo, junto de ti, no respeito dos seus direitos respectivos. Que tu continues a ser, para todos os Povos da Terra, um símbolo inesgotável de esperança e de Paz”.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca


Fonte Ecclesia

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