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Até onde o empenhamento dos padres na política?
2001-12-06 16:06:24

A resposta à questão do empenhamento dos padres na política e dos limites desse empenhamento depende, fundamentalmente, da compreensão que se tem das duas "realidades" em confronto: qual a figura do "padre" que se tem presente e o que se entende por "política".


O "sacerdote", segundo a compreensão veterotestamentária e pagã desta figura, é aquele que está "separado" do povo e das realidades mundanas para se colocar como o mediador entre Deus (os deuses) e os homens. É ele quem oferece os sacrifícios e dirige as orações e, portanto, se é verdade que não se põe ao nível de Deus ou dos deuses (não se atreve a tanto), também é certo que não se pode colocar ao nível do comum dos mortais.
Deste modo, uma compreensão tendencialmente "sacerdotal" da figura do padre (que, aliás, teria muito pouco a ver com o Novo Testamento, na medida em que a carta aos Hebreus reserva para Cristo o título de "único Sacerdote") conceberá necessariamente esta figura como a de um homem de alguma forma separado e acima das realidades mundanas ("sujas"), entre as quais se tem de incluir a vida política.
É claro que, se quisermos ser sérios, facilmente descobriremos que esta figura "sacerdotal", pretensamente acima da política, pelo contrário, está profundamente embrenhada nela, já que, por norma e por uma questão de sobrevivência pessoal e institucional, os sacerdotes estavam habitualmente ao lado do poder político instituído, que os controla e condiciona, estimulando, através de benesses e castigos, a "carreira sacerdotal".
Não é por acaso, que os profetas, neste contexto, surgem como contraponto ao silêncio dos sacerdotes perante as injustiças cometidas pelo poder em Israel; é simplesmente porque esse silêncio dos sacerdotes não é sinónimo de escrúpulos em meter-se na política, mas incapacidade de se libertar da tutela do poder instituído - qualquer semelhança com situações do presente, não é mera coincidência! Vemos assim como é completamente falsa a ideia comum de que só se envolve na política quem se manifesta "crítico" para com o poder instituído, como se o "silêncio" não fosse, também ele, uma clara e eloquente forma de manifestação política.
Em contrapartida, se entendermos a figura do padre tendencialmente como a de um "pastor", um "presbítero", o "mais velho" da comunidade, então, nesta compreensão, o padre já não é aquele que se coloca acima do povo para estar mais perto de Deus ou do Sagrado, um ser receoso de se "sujar" com as coisas deste mundo, mas aquele que está no meio e à frente dos seus irmãos, que os guia na caminhada, partilhando as suas dores e alegrias. Esse homem a quem chamamos "padre" fará suas as palavras do Concílio: "não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração" (GS 1). Não será a política uma realidade genuinamente humana? É por isso que o padre deve fazer dos problemas da comunidade à qual foi enviado o alimento da sua própria vida, a matéria da sua reflexão, do seu agir e também da sua oração. Viver o múnus de padre, não significa fugir à política, mas estar nela de maneira autêntica, pois é aí, na "polis", na cidade, que se joga a vida da sua gente, à qual ele deve servir.
É claro que, aqui, já estamos no segundo polo do binómio "padre-política". E entendemos a política, não no significado negativo que normalmente assume, mas na forma como ela é vista pela Igreja, nos seus documentos - uma "actividade digna e nobre", porque se refere a tudo aquilo que diz respeito à organização da vida da polis, da cidade, da sociedade. A política na qual o padre deve envolver-se séria e profundamente refere-se ao que chamaríamos hoje o exercício responsável da cidadania, com implicações reais ao nível da denúncia e do anúncio profético.
A verdade é que tudo aquilo que tem implicações na estruturação da vida em sociedade tem uma dimensão política. Deixo um exemplo, que até pode parecer estranho: a posição da Igreja sobre a "paternidade responsável" tem uma consequência política relevante; um padre muito piedoso que a pregue, convencido de que apenas está a expor doutrina segura, está na verdade a fazer política. Que pode haver de mais político do que a questão da fecundidade?
Para responder claramente à interrogação inicial, considero, pois, que o padre deve empenhar-se na política até onde lhe for possível. A fasquia deve ser colocada no nível mais alto e não no mais baixo. Em boa verdade, nada na vida do padre - a não ser o erro e o pecado - deve ser vivido de forma minimalista.
A questão da política partidária é outra coisa. Mas não foi sobre isso que nos propusemos esta reflexão.

Pe. José Anastácio Alves
Pároco da Nazaré - Funchal

Fonte Ecclesia

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