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A sida virou a Igreja para fora
2001-11-25 10:28:01

O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa surpreendeu o País com a nota pastoral emitida esta semana "Os cristãos e a luta contra a sida". Várias vozes se mostraram perplexas pelo facto de os prelados aconselharem as pessoas a submeterem-se a um rastreio "antes de iniciarem uma relação estável, de matrimónio ou outra".

E surgiram perguntas: "Vai a Igreja proibir o casamento entre seropositivos?" A questão suscitou horas de discussão, como se fosse nova.

Mas, na verdade, o conselho apresentado é doutrina sobejamente repetida quer pela classe médica quer pelos organismos envolvidos na prevenção e no combate à doença. Quanto à pergunta, pode considerar-se ridícula, porque a Igreja nunca trava consentimentos mútuos realizados com base na verdade. Quantos casamentos já não se celebraram em hospitais, sabendo, um dos parceiros, que o outro iria morrer poucas horas depois?

Quando a nota refere que o melhor combate à doença não é tanto o uso do preservativo, mas, sobretudo, a fidelidade conjugal e a castidade, estamos igualmente diante de premissas sublinhadas até à exaustão. Então, pergunta-se: "Há conteúdos novos nesta nota pastoral?" A resposta é simples: "Nada constitui novidade."

Assim sendo, poder-se-á concluir que os bispos lançaram apenas mais um comunicado. Esta conclusão é precipitada porque, na verdade, o documento, na sua forma, é uma maiores novidades dos últimos tempos da Igreja Católica em Portugal.

Repare-se que em nenhum momento se diz que os destinatários são os católicos, tal como geralmente acontece nas declarações dos bispos. Depois, começa-se não com um facto religioso, ou com algum acontecimento relevante, nacional ou internacional, mas tão-somente por lembrar que um organismo estatal, e laico, no caso a Comissão Nacional de Luta contra a Sida, teve a iniciativa de promover um dia de mentalização sobre um grave problema de saúde pública, afirmando-se que a Igreja não ficou indiferente ao facto.

Um outro pormenor: a certa altura fala-se "em relação estável, de matrimónio, ou outra". Que outra? Para a Igreja, relações estáveis só existem as do casamento; logo, o discurso não é para os católicos. Acrescente-se ainda o facto de o texto ser muito curto e ter sido policopiado e distribuído, tal como um panfleto, o que também nunca tínhamos visto acontecer.

São todos estes pequenos pormenores que revelam a grande novidade da nota pastoral. Na realidade, pela primeira vez, a Igreja dirigiu-se a toda a sociedade, como uma parceira social, ao lado da Comissão Nacional de Luta contra a Sida, embora dizendo o que pensa sobre o assunto e o modo como gostaria de o ver resolvido, o que é natural.

Note-se também que a linguagem utilizada é simples, sem nenhuma citação bíblica ou pontifícia, o que, se bem me lembro, é original.

A grande novidade, pois, é que a Igreja, pela primeira vez, falou para fora dela própria, afirmando-se, sobretudo, como uma instituição preocupada, ao lado de outras, com os problemas das pessoas. Um novo estilo paira no ar, revelando que a Igreja quer, agora, falar mais para o adro, onde se encontra a maioria dos crentes, do que para o interior do templo.

Fonte DN

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