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Congresso Internacional
2001-10-28 11:04:23

Mensagem do Santo Padre aos participantes do congresso internacional "matteo ricci: por um diálogo entre a china e o ocidente"
(Roma 24-25 Outubro de 2001)


1. Com íntima alegria me dirijo a vós, ilustres Senhores, na ocasião do Congresso Internacional, para comemorar o 400o aniversário da chegada a Pequim do grande missionário, literato e cientista italiano, padre Matteo Ricci, filho célebre da Companhia de Jesus.
Dirijo a minha especial saudação ao Magnífico Reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, e aos Responsáveis do Instituto Ítalo-Chinês, as duas instituições promotoras e organizadoras deste Congresso. Acolhendo-vos com viva cordialidade, tenho particular prazer em dirigir uma cortês saudação aos estudiosos vindos da China, pátria de adoção amada por padre Ricci.

Sei que vosso Congresso se coloca, de certo modo, em continuidade com o importante Simpósio Internacional, que foi celebrado dias atrás em Pequim (14-17 de outubro), e tratou o tema Encounters and Dialogues ("Encontros e Diálogos"), sobretudo no horizonte das trocas culturais entre a China e o
Ocidente, na época final da dinastia Ming e início da dinastia Qing. De fato, também ali, a atenção dos estudiosos se voltou para a incomparável obra que padre Matteo Ricci desenvolveu naquele País.

2. O atual encontro nos leva, ideal e afetivamente, a Pequim, a grande capital da China moderna, capital do "Reino do Meio" no tempo de padre Ricci. Depois de 21 anos de um longo, atento e apaixonado estudo da língua, da história e da cultura da China, ele entrou em Pequim, sede do Imperador,
em 24 de janeiro de 1601. Acolhido com todas as honras, estimado e visitado com freqüência por literatos, mandarins e pessoas desejosas de aprender as novas ciências, das quais ele era um mestre do conhecimento, viveu o resto de seus dias na capital imperial, onde teve uma santa morte em 11 de maio
de 1610, aos 57 anos de idade, sendo que quase 28 deles, transcorridos na China. Gostaria de lembrar aqui que, quando chegou a Pequim, escreveu ao Imperador Wan-li um Memorial no qual, apresentando-se como religioso e celibatário, não desejava qualquer privilégio na corte, mas queria apenas colocar sua própria pessoa e tudo o que pôde aprender sobre as ciências no "grande Ocidente", do qual vinha, a serviço de Sua Majestade e (cfr. Opere Storiche de P. Matteo Ricci S.I., aos cuidados de P. Tacchi Venturi S.I., vol. II, Macerata 1913, 496s). A reação do imperador foi positiva, dando assim, maior significado e importância à presença católica na China moderna. Há quatro séculos, a China tem em alta consideração Li Madou, "o sábio do Ocidente", como foi designado e chamado padre Matteo Ricci. Histórica e culturalmente ele foi, como pioneiro, um elo precioso de junção entre o Ocidente e Oriente, entre cultura européia do Renascimento e a cultura da China, e de maneira recíproca, também entre a antiga e elevada civilização chinesa e o mundo europeu. Como já tive oportunidade de revelar minha íntima convicção, ao me referir aos participantes do Congresso Internacional de Estudos Riccianos ocorrido no IV centenário da chegada de Matteo Ricci na China (1582-1982), ele teve um mérito especial na obra de inculturação: elaborou a terminologia chinesa da teologia e da liturgia católica, criando assim condições para fazer conhecer Cristo e encarnar sua mensagem evangélica e a Igreja no contexto da cultura chinesa (cfr. Ensinamentos de João Paulo II, vol. V/3, 1982, Libreria Editrice Vaticana, 1982, 923-925). Padre Matteo Ricci se fez tão "chinês como os chineses", por se tornar um verdadeiro sinólogo, no mais profundo significado cultural e espiritual do termo, pois que soube realizar na sua pessoa uma extraordinária harmonia interior entre o sacerdote e o estudioso, entre católico e o orientalista, entre o italiano e o chinês.

3. Há quatrocentos anos de distância da chegada de Matteo Ricci em Pequim, não podemos deixar de nos perguntar qual é a mensagem que ele pode oferecer seja à grande Nação chinesa, seja à Igreja católica, as quais sempre se sentiu profundamente ligado e pelas quais foi - e é – sinceramente apreciado e amado.

Um dos aspectos, que tornam original e sempre atual, a obra de padre Ricci na China, é a profunda simpatia que ele nutria desde o início, para com o Povo chinês na sua totalidade de história, cultura e tradição. O pequeno Tratado sobre Amizade (De Amicitia - Jiaoyoulun), que obteve grande sucesso na China desde a primeira edição, feita em Nanking em 1595, e a profunda e intensa rede de amizades, que ele sempre construi e cuidou durante seus 28 anos de vida naquele País, são um testemunho irrefutável de sua lealdade, sinceridade e fraternidade para com o Povo que o acolheu. Estes sentimentos e posturas de altíssimo respeito brotavam da estima que ele tinha pela cultura da China, ao ponto de levá-lo a estudar, interpretar e explicar a antiga tradição confuciana, propondo assim uma reavaliação dos clássicos chineses.

Desde os primeiros contatos com os Chineses, padre Ricci baseou toda sua metodologia científica e apostólica em dois pilares, aos quais se manteve fiel até a morte, não obstante as múltiplas dificuldades e incompreensões internas e externas: primeiro, os neófitos chineses, abraçando o cristianismo, de forma alguma deveriam ser menos leais para com seu País; segundo, a revelação cristã sobre o mistério de Deus não destruía, mas de fato, enriquecia e completava o que de belo e bom, justo e santo, fora
intuído e transmitido pela antiga tradição chinesa. E, com esta intuição, Padre Ricci - como séculos antes os Padres da Igreja fizeram com a mensagem do evangelho de Jesus e a cultura greco-romana - baseou seu paciente e sábio trabalho de inculturação da fé na China, procurando constantemente um
terreno comum de compreensão com os doutores daquele grande País.

4. O povo chinês, de maneira particular nestes últimos tempos, têm procurado alcançar significativas metas de progresso social. De sua parte, a Igreja católica, olha com respeito para este surpreendente impulso e a estas iniciativas sábias e oferece com discrição sua contribuição na promoção e na defesa da pessoa humana, de seus valores, de sua espiritualidade e de sua vocação transcendente. No coração da Igreja estão particularmente valores e objetivos de primordial importância também para a China moderna: a solidariedade, a paz, a justiça social, a inteligente administração do fenômeno da globalização, o progresso civil de todos os povos.

Como escrevia precisamente em Pequim o padre Ricci, redigindo em seus dois últimos anos de vida aquela obra pioneira e fundamental para o conhecimento da China por parte do resto do mundo, intitulada Da Entrada da Companhia de Jesus e Cristandade na China (cfr Fonti Ricciane, vol. II, cit., N. 617, p.
152), também a Igreja católica de hoje não pede à China e às suas autoridades políticas qualquer privilégio, mas unicamente que possam retomar o diálogo, para alcançar uma relação percorrida de respeito recíproco e de conhecimento aprofundado.

5. Sob o exemplo deste insigne filho da Igreja católica, desejo reafirmar que a Santa Sé olha o Povo chinês com simpatia profunda e partícipe atenção. São conhecidos os relevantes passos que em tempos recentes, foram por eles cumpridos no campo social, econômico e educativo, mesmo permanecendo algumas dificuldades. Que a China saiba: a Igreja católica tem o vivo propósito de oferecer, mais uma vez, um humilde e desinteressado serviço para o bem dos católicos chineses e para todos os habitantes do País. Neste sentido, que me seja permitido lembrar aqui do grande empenho evangelizador de uma longa série de generosos missionários e missionárias, unidos às obras de promoção humana que cumpriram ao longo dos séculos: estes iniciaram importantes e numerosas iniciativas sociais, especialmente no campo hospitalar e educativo, que têm grata e ampla acolhida entre o Povo chinês.

Infelizmente, porém, a história se recorda que a ação dos membros da Igreja na China não foi sempre ausente de erros, fruto amargo dos próprios limites do ânimo e do agir humano, e foi condicionada por situações difíceis, ligadas a acontecimentos históricos complexos e por interesses políticos contrastantes. Não faltaram inclusive disputas teológicas, que exacerbaram os ânimos e criaram inconvenientes graves ao processo de evangelização. Em alguns períodos da história moderna, uma certa "proteção" por parte de potências políticas européias, não poucas vezes se revelou limitadora da liberdade de ação da Igreja, e teve repercussões negativas para a China: situações e acontecimentos, que influenciaram o caminho da Igreja, impedindo que desenvolvesse plenamente - a favor do Povo chinês - a missão confiada por seu Fundador, Jesus Cristo.

Sinto profunda tristeza por estes erros e limites do passado, e lamento que estes tenham gerado em muitos a impressão de uma falta de respeito e de estima da Igreja católica pelo Povo chinês, induzindo a pensar que a Igreja fosse movida por sentimentos de hostilidades nos assuntos da China. Por tudo isto, peço perdão e compreensão àqueles que, de alguma forma, se sentiram feridos por tais medidas de ação dos cristãos.

A Igreja não deve ter medo da verdade histórica, e está disposta – mesmo com íntimo sofrimento - a admitir as responsabilidades de seus filhos. Isto vale também para o que concerne seus relacionamentos, passados e recentes, com o Povo chinês. A verdade histórica deve ser buscada com serenidade e
imparcialidade e de modo exaustivo. É uma tarefa importante, da qual os estudiosos se devem encarregar, e, para seu desenvolvimento também vós podeis colaborar, estando particularmente dentro da realidade chinesa. Posso assegurar que a Santa Sé está sempre pronta a oferecer a própria disponibilidade e colaboração neste trabalho de pesquisa.

6. Nesta hora se tornam atuais e significativas aquelas palavras que padre Ricci escreveu no início de seu Tratado sobre a Amizade (NN. 1 e 3). Ele, levando a herança da clássica reflexão greco-romana e cristã sobre a amizade, ao coração da cultura e da civilização da China do final de 1500, definia o amigo como "a metade de mim mesmo, ou melhor, um outro eu"; portanto "a razão de ser da amizade é uma necessidade e uma ajuda mútua."

E é com este forte e renovado pensamento de amizade para com todo o Povo chinês, que formulo o auspício de logo ver instaurados caminhos concretos de comunicação e colaboração entre a Santa Sé e a República Popular da China. A amizade se nutre de contatos, de divisão dos sentimentos nas situações alegres e tristes, de solidariedade, de ajuda mútua. A Sé Apostólica busca com sinceridade ser amiga de todos os povos e colaborar com cada pessoa de boa vontade em todo mundo.

A China e a Igreja católica, sobre aspectos certamente diferentes mas de modo algum contrapostos, estão entre as mais antigas "instituições" vivas e operantes no mundo: ambas, mesmo em âmbitos diferentes - político-social uma, religioso-espiritual a outra -, contam mais de um bilhão de filhos e filhas. Não é um mistério para ninguém que a Santa Sé, em nome da Igreja católica inteira e - acredito - para vantagem de toda a humanidade, deseja a abertura de um espaço de diálogo com a Autoridade da República Popular Chinesa, no qual, superadas as incompreensões do passado, se possa trabalhar em conjunto para o bem do Povo chinês e para a paz no mundo. O atual momento de profunda inquietude da comunidade internacional exige de todos um apaixonado empenho para favorecer a criação e o desenvolvimento de ligações de simpatia, de amizade e de solidariedade entre os povos. Em tal contexto, a normalização das relações entre a República Popular Chinesa e a Santa Sé teria sem dúvida, repercussões positivas para o caminho da humanidade.

7. Na renovação, a todos vós, ilustres Senhores, da expressão do meu apreço pela oportuna celebração de um evento histórico tão significativo, desejo e rezo que a estrada aberta por padre Matteo Ricci entre o Oriente e o Ocidente, entre a cristandade e a cultura chinesa, possa reencontrar estradas sempre novas de diálogo e de enriquecimento humano e espiritual recíproco. Com estes votos tenho prazer em dar a todos vós a Bênção apostólica, pedindo a Deus que vos conceda, todo o bem, felicidade e progresso.
Do Vaticano, 24 de outubro de 2001
IOANNES PAULUS II

(Fides 24/10/2001)
(Tradução de Fides a partir do italiano)


Fonte Ecclesia

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