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Começou o período de reflexão para eleger o novo Papa 2003-11-02 13:40:10 Será um europeu ou virá do Terceiro Mundo? Acentuará o centralismo do Vaticano ou promoverá a descentralização da Igreja? Será alguém de idade já avançada ou um jovem entre os seus pares? Permitirá a abertura da conversa sobre os temas da moral individual ou afirmará a ortodoxia até agora reinante? Será alguém da Cúria Romana ou um pastor de uma diocese local?
A eleição do próximo Papa deverá resultar da resposta a estas e outras equações que os 134 cardeais com direito a votar terão já começado a reflectir. A saúde de João Paulo II está progressivamente mais fragilizada e, depois do consistório de 22 de Outubro, o conclave pode não estar muito longe. Mas ninguém sabe, com segurança, o que vai na cabeça dos cardeais.
O cruzamento de vários factores - origem geográfica, concepção teológica e tarefas mais urgentes do catolicismo, visão pastoral da vida da Igreja - ditará a opção do conclave. Já foi assim há 25 anos: perante os bloqueios das votações entre conservadores e reformadores, o cardeal Franz König, de Viena, propôs o nome do polaco Karol Wojtyla.
Moderado entre os cardeais, rigoroso na doutrina, culto, sensível aos problemas sociais, a viver sob um regime comunista, Wojtyla apareceu como a solução que permitia à Igreja afrontar a Guerra Fria e a divisão da Europa entre democracias liberais e regimes comunistas.
No próximo conclave, perante o gigantismo de problemas que atingem o Sul do mundo - chave de muitas das questões do desenvolvimento mundial - escolherão os cardeais alguém dessa metade do planeta?
A eleição de um latino-americano seria também um reconhecimento da importância do catolicismo naquele continente, onde vive já quase metade dos católicos do mundo. Na América Latina, há 460 milhões de católicos; em 2025 podem ser 600 milhões. Nessa hipótese, os nomes de quem se fala são os de Oscar Maradiaga (Honduras), Cláudio Humes, Eusébio Scheid e Geraldo Agnelo (Brasil), Jaime Ortega (Cuba), Norberto Carrera (México) ou Castrillón Hoyos (Colômbia).
Esta escolha não significa, ao contrário do que possa pensar-se, a eleição de alguém mais "progressista" ou "conservador". Vários cardeais da América Latina são, hoje, clones doutrinais do actual Papa: rigorosos em questões de moral individual e familiar, mas muito críticos para com os problemas sociais.
O espanhol Juan Arias, que trabalhou como jornalista no Vaticano durante largos anos, observava há dias no diário "El País" que os cardeais norte-americanos podem ser mais abertos em questões de moral, mas estão menos preocupados com o neoliberalismo. E que "há cardeais europeus mais perto do Terceiro Mundo do que muitos latino-americanos ou africanos", sendo alguns do Terceiro Mundo mais "eurocentristas do que os próprios europeus".
Arias deveria estar a pensar, por exemplo, no nigeriano Francis Arinze, membro da Cúria, conservador mas aberto ao fenómeno inter-religioso. Arinze seria uma boa solução para dialogar com o crescimento do islão (não só em África) - outro dos desafios centrais que o próximo Papa tem que enfrentar. Christian Tumi, dos Camarões, de perfil mais reformador e descentralizador, também é um nome a ter em conta se a escolha recair num africano.
Europa em maioria no conclave
Predominantemente europeu (66 cardeais em 134),o conclave pode preferir seguir a tradição: o último Papa de fora do continente foi Gelásio, originário do Norte de África, que governou entre 492 e 496.
Nesse caso, o papado poderia voltar a ser italiano, tal como nos 455 anos antes de 1978 e de Wojtyla: Tettamanzi é um dos mais citados, a par de Angelo Scola (Veneza) ou Tarcisio Bertone (Génova). Na Cúria Romana, há outros italianos de peso: além de Angelo Sodano, Giovanni Battista Re (69 anos, prefeito da Congregação para os Bispos), uma opção pelo centralismo, ou Crescenzio Sepe, responsável pelo programa do Jubileu do ano 2000.
Cristoph Schönborn (Áustria) e os espanhóis António Rouco Varela (Madrid) e Eduardo Somalo (Cúria) poderiam ser nomes não-italianos a ter em conta. Já Godfried Danneels (Bélgica), Karl Lehmann e Walter Kasper (Alemanha), alinhados à "esquerda" no grupo dos cardeais, limitar-se-ão a poder influir o sentido de voto de outros, com a sua argumentação.
Nomes a Ter em Conta
Ninguém sabe quem será o próximo Papa. Mas é possível definir uma lista de nomes que, pela sua influência, características pessoais ou visão pastoral, podem vir a ser importantes na hora de o conclave votar. Estes são alguns dos que podem ser escolhidos - ou cuja opinião pode influenciar os seus colegas, na hora de optar por um cardeal para suceder a João Paulo II.
Angelo Sodano, 76 anos, secretário de Estado do Vaticano, diplomata desde 1959. Entre 1977 e 87 foi núncio no Chile e é criticado pela excessiva proximidade em relação à ditadura de Pinochet.
António Rouco Varela, 67 anos, arcebispo de Madrid, para onde foi cinco anos depois de organizar a Jornada Mundial de Juventude, de 1989, em Santiago de Compostela. De formação alemã, a imprensa espanhola destaca-lhe a personalidade de consensos e o prestígio entre ibero-americanos e alguns membros da Cúria. Em Santiago, era criticado por sectores da diocese pela pouca inovação pastoral.
Carlo Maria Martini, ex-arcebispo de Milão, durante anos o nome que encabeçava a lista dos sucessores. A sua opinião será uma das que podem influenciar a decisão do conclave.
Carlos Amigo Vallejo, 69 anos, franciscano, espanhol, arcebispo de Tânger (Marrocos) entre 1973 e 1982, arcebispo de Sevilha desde então, membro da Comissão Pontifícia para a América Latina e perito do diálogo inter-religioso.
Christian Wiygham Tumi, 73 anos, arcebispo de Yaoundé (Camarões); insiste na necessidade de apoiar os países pobres; foi um dos presidentes delegados do Sínodo dos Bispos sobre África.
Cláudio Humes, 69 anos. Arcebispo de São Paulo, Brasil, opôs-se à ditadura militar e apoiou greves operárias em 1978, mas é conservador na moral individual, como o seu colega do Rio de Janeiro.
Cristoph Schönborn, 58 anos, arcebispo de Viena (Áustria). Tem contra si a idade, que muitos considerarão demasiado jovem (ver "O patriarca tem hipóteses?").
Dionigi Tettamanzi, 69 anos. Arcebispo de Milão há poucos meses, é perito em questões bioéticas e morais. Tem boa preparação doutrinal.
Eduardo Martinez Somalo (nascido em 1927), considerado um dos mais próximos de João Paulo II. Camerlengo (responsável pelo governo da Santa Sé entre a morte de um Papa e a eleição do novo) desde 1993. Fez quase toda a carreira na Secretaria de Estado do Vaticano, onde trabalhou com os Papas Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II.
Eusebio Oscar Scheid, 70 anos, desde 2001 arcebispo do Rio de Janeiro, é considerado conservador em matérias de moral individual, mas pediu a legalização das drogas e disse que era favorável à escolha de um Papa africano.
Francis Arinze, 70 anos, Nigéria, presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso, filho do chefe de uma tribo nigeriana, relaciona-se bem com alguns cardeais da Cúria Romana e com africanos.
Godfried Danneels, 70 anos, arcebispo de Bruxelas (Bélgica), presidente da Pax Christi internacional, movimento católico internacional pela paz. É muito sensível às questões sociais e do desenvolvimento.
Jaime Lucas Ortega y Alamino, 67 anos, arcebispo de Havana (Cuba). Nome falado pela imprensa espanhola; poderia fazer a ponte entre latino-americanos, norte-americanos e espanhóis.
Jean-Louis Tauran, 60 anos, secretário para as Relações com os Estados há 13 anos. Nesse cargo, enfrentou diversas crises internacionais, a última das quais a guerra do Golfo. Esteve no Líbano durante o conflito (1979-83). Tem defendido o papel da ONU e o direito de ingerência humanitária.
Jean-Marie Lustiger, 77 anos, arcebispo de Paris. Tem muito prestígio entre os seus pares. De origem judaica, é uma das personalidades mais destacadas de um futuro conclave.
Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Dificilmente os cardeais votariam no guardião da ortodoxia, mas a sua opinião terá também muito peso entre vários dos seus pares.
Óscar Rodriguez Maradiaga, 60 anos, arcebispo de Tegucigalpa (Honduras), um dos nomes que aparecem em todas as listas. O facto de ter apenas 60 anos pode jogar contra ele - alguns preferem um homem mais velho. Conhece bem a Cúria Romana, mas ainda mais o episcopado latino-americano. Em declarações à Antena 1, disse que "no futuro" haverá com certeza um Papa latino-americano. A AFP reproduziu a notícia com o cardeal a afirmar que o próximo Papa "deve ser" latino-americano, o que pode ser mal interpretado...
Renato Martino (n. 1932), presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, ex-representante permanente do Vaticano na ONU, onde interveio sobre questões como o combate à fome ou o desarmamento. Apoiou a formação de movimentos de apoio a Timor-Leste em Nova Iorque - e destinou a Timor as ofertas recebidas no dia da elevação a cardeal. Também se interessou pela reabilitação do cônsul português Aristides Sousa Mendes.
O Patriarca de Lisboa Tem Hipóteses?
Não é um nome que apareça nas listas das agências e da imprensa internacional. Mas nos bastidores há quem esteja a trabalhar no sentido de promover a candidatura de D. José Policarpo, patriarca de Lisboa, para ser eleito no próximo conclave. O cardeal português é bem visto pela Comunidade de Santo Egídio, protagonista das negociações para a paz em Moçambique, e por alguns jornalistas italianos como hipótese para suceder a Karol Wojtyla.
Uma razão importante é que o patriarca de Lisboa poderia ter três nomes de peso a apoiar a sua candidatura: os arcebispos de Paris (Jean-Marie Lustiger), Bruxelas (Godfried Danneels) e Viena (Cristoph Schönborn) convocaram, com o patriarca de Lisboa, o Congresso Internacional da Nova Evangelização, a realizar numa etapa anual nas quatro cidades.
Tendo em conta a aproximação entre os quatro cardeais como resultado da preparação do congresso, é normal que na escolha do conclave olhem primeiro para os parceiros de projecto. Só que o arcebispo de Viena, com 58 anos, é demasiado jovem para alguns, Danneels estará demasiado à "esquerda" para a maioria dos cardeais, predominantemente conservadora, e Lustiger já tem 77 anos.
D. José, 67 anos, seria assim, deste grupo de quatro, o que reuniria melhores condições para ser proposto, tendo a seu favor o facto de ser oriundo de um país que faz a ponte com outros continentes, nomeadamente África e América Latina. Aberto a mudanças na prática da Igreja, a sua moderação não assusta sectores mais conservadores - e as escolhas dos conclaves fazem-se normalmente na intersecção de várias opções em confronto.
Já o próprio patriarca - embora tenha confessado, na sua recente entrevista à RTP, que ainda não tinha candidato - poderia escolher o cardeal Schönborn, pela proximidade dos dois estilos de liderança - uma opinião compartilhada por várias pessoas ouvidas pelo PÚBLICO.
A Comunidade de Santo Egídio e o seu presidente, o historiador Andrea Riccardi, têm acarinhado D. José Policarpo. O patriarca é considerado uma figura capaz de dialogar também com não-crentes, como é o caso de Mário Soares, que tem sido convidado, com D. José, para os encontros anuais da comunidade, dedicados ao diálogo cultural e inter-religioso.
Fonte Público
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