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Sobre o Próximo acto eleitoral
2002-02-14 22:19:20

NOTA PASTORAL DO CONSELHO PERMANENTE DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA SOBRE O PRÓXIMO ACTO ELEITORAL


Introdução
1. Ao aproximar-se mais um importante acto eleitoral, sentimos ser nosso dever dirigirmo-nos aos fiéis católicos, pois a criteriosa intervenção na vida pública decorre da nossa responsabilidade de cristãos e deve ser feita segundo os princípios inspiradores do Evangelho e da doutrina da Igreja. É bom recordar, a este propósito, a doutrina do Concílio Vaticano II: “Todos os cristãos devem tomar consciência do papel particular e próprio que lhes cabe na comunidade política. São chamados a dar o exemplo, cultivando o sentido de responsabilidade e dedicação ao bem comum; mostrarão, assim, pelos factos, como se pode harmonizar a autoridade com a liberdade, a iniciativa pessoal com a solidariedade e as exigências de todo o corpo social, as vantagens da unidade com as diversidades fecundas” (Gaudium et Spes, n. 75).
Ao falarmos nestas circunstâncias, não reivindicamos para a hierarquia uma função política, nem nos queremos imiscuir nas justas opções partidárias. É apenas nossa intenção contribuir, com a doutrina da Igreja, para um justo discernimento dos cristãos, no exercício da sua liberdade democrática.

Sentido especial das próximas eleições
2. Na nossa ordem constitucional, os cidadãos são chamados a participar, pelo voto, na condução da coisa pública ao ritmo das legislaturas. Um acto eleitoral que interrompe a meio uma legislatura, indica, por si mesmo, a necessidade de um esclarecimento político sobre os destinos da comunidade nacional, o que sugere um particular empenhamento dos cidadãos na reflexão sobre os problemas nacionais e os caminhos de solução a escolher.
Outros elementos conferem ao próximo acto eleitoral uma particular importância: a crise internacional, provocada pelos simbólicos acontecimentos do dia 11 de Setembro, com o eclodir de novas formas de violência, o agravar da insegurança e as inevitáveis consequências nos equilíbrios sociais e económicos; a introdução de uma moeda única para 12 países da União Europeia, o que traz um ritmo novo à nossa inserção no espaço europeu e a torna irreversível, oferecendo à análise dos problemas nacionais um horizonte alargado que não depende só de nós.
Decidir sobre o futuro de Portugal é hoje mais complexo do que o era há alguns anos e exige de todos a abertura à verdadeira dimensão dos problemas e ao âmbito das soluções a encontrar.

É necessário o discernimento
3. O discernimento deve ser uma atitude permanente dos cristãos. Ele permite, perante as dificuldades, os problemas ou os acontecimentos novos, descobrir o caminho mais acertado a seguir, na linha da fidelidade. A vida cristã é um esforço contínuo de tentar acertar com a atitude correcta, em ordem à nossa realização e à edificação de uma sociedade harmónica, digna do homem, como Deus a deseja.
Todo o discernimento cristão é feito num duplo confronto: com o realismo dos acontecimentos e das circunstâncias e com as exigências da nossa fé, iluminadas pela Palavra de Deus e pela doutrina da Igreja. O discernimento em matéria política e social não foge a esse dinamismo.
No momento que atravessamos é necessário um clarividente discernimento político. Trata-se de saber ler e analisar o realismo das situações e dos problemas, consciencializar o projecto de sociedade que acalentamos, verificar, entre as soluções encontradas e propostas até agora, aquelas que vale a pena continuar e aquelas que exigem uma mudança de rumo. Este discernimento exige diálogo e debate e os cristãos não se devem furtar a eles, introduzindo corajosamente nas análises a perspectiva cristã sobre os problemas.
O momento é de coerência e de objectividade. Em política não há soluções perfeitas, pois ela é muito a arte do possível. Mas devemos bater-nos decididamente para que o caminho a seguir seja o que mais esperança suscita para o futuro de Portugal e para o modelo de sociedade que desejamos.
No ardor de uma campanha eleitoral, que deveria ser, toda ela, um amplo debate para esclarecimento dos cidadãos, é normal que surjam promessas, se indiquem soluções e se proponham rumos, na pluralidade das opções políticas. Também aí o discernimento continua a ser necessário, para aferir da viabilidade e exequibilidade das soluções apresentadas, da credibilidade, baseada na experiência, de quem as apresenta e da sua consonância com a visão cristã da pessoa humana e da sociedade.

Exigência do discernimento cristão
4. O cristão deve julgar das situações guiado pela sua fé, ou seja, à luz da Palavra de Deus e da doutrina da Igreja. Tratando-se de discernir sobre projectos de sociedade, apresentados pelos Partidos, os cristãos devem ter particularmente em atenção a visão da Igreja acerca de algumas questões:
· O respeito pela religião e pela liberdade de consciência e de culto;
· O respeito pelo carácter sagrado da vida humana, de toda a vida humana, desde a concepção até à morte natural;
· A promoção da dignidade da pessoa humana, anulando discriminações de classe, sexo ou etnia e promovendo a igualdade de oportunidades, dando particular atenção aos mais pobres e desfavorecidos;
· Uma política de educação que, promovendo e garantindo a qualidade, respeite o papel da família e o direito dos pais escolherem, para os seus filhos, o projecto educativo de sua preferência, sem desigualdades injustas nos encargos com a educação. Isso supõe redimensionar a função do Estado, revendo as políticas de promoção e apoio ao ensino não estatal;
· A seriedade e a honestidade dos servidores da sociedade. As práticas de corrupção descredibilizam as pessoas e os grupos e a justa viabilização dos projectos que apresentam;
· A vitória sobre o materialismo economicista. Uma economia sadia é essencial, mas deve estar ao serviço de um projecto de sociedade, cultural e humanista.
O facto de, em política, não haver soluções perfeitas, não justifica o desinteresse ou abstencionismo em relação ao acto eleitoral, que é um dever, tanto mais premente quanto mais preocupante for a situação do país. Devemos escolher as propostas mais adaptadas à solução dos problemas e que se apresentam como credíveis na sua viabilização.

Coerência e convivência
5. O contributo dos cristãos para a construção da sociedade deve ser consciente e responsável. Devem fundamentar as suas escolhas em critérios de verdade cristã.
Quanto mais clara e esclarecida for a sua posição, mais importante se torna a consciência de que a devem afirmar no respeito pela pluralidade de outras posições. Recordamos, novamente, a doutrina do Concílio Vaticano II: “No que respeita ao ordenamento das realidades terrestres, os cristãos devem reconhecer como legítimas maneiras de ver, por vezes opostas entre si, de outros grupos de cidadãos, que defendem honestamente a sua opinião” (Gaudium et Spes, n. 75). Essa é uma característica essencial da convivência democrática: conviver, na coerência das próprias convicções, com opções diversas e tudo fazer para que essas diferenças convirjam para o bem comum.
A firmeza das convicções não pode transformar-se em intolerância social. E a tolerância social não pode significar indiferença, desinteresse ou alheamento perante a vida pública e os modelos de sociedade que são propostos.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2002

Fonte Ecclesia

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